No último 18 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do projeto que autoriza o ensino domiciliar. A pauta do homeschooling, como é popularmente conhecida essa agenda, ganhou importância recentemente no Brasil, a despeito do fato de especialistas na área da educação considerarem essa proposta inadequada. Autor de “País Mal Educado – por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras” (Record, 2018), Daniel Barros é o convidado desta semana no Podcast Rio Bravo e explica por que acredita que o homeschooling é um despropósito, destacando quais deveriam ser os pontos de discussão para a educação brasileira, como o novo ensino médio e a ênfase na formação de professores.
Quisemos saber, logo no começo da entrevista, por que a pauta do homeschooling ganhou tamanha tração nos últimos anos. Para Daniel Barros, isso tem a ver com a influência do governo Bolsonaro. “É uma pauta associada ao governo federal, associada a essa visão extremamente conservadora. É uma pauta cara à parcela extremamente religiosa, então, foi considerada importante do ponto de vista eleitoral para o governo. Mas, na verdade, isso esconde uma falta de agenda na educação”, analisa. Para o entrevistado, o governo Bolsonaro “destruiu algumas das coisas que a gente tinha em educação ao longo do tempo, como o Inep, e traz uma agenda totalmente de costumes para o centro da discussão educacional porque não tem outras agendas relevantes para oferecer”.
“Para mim, por princípio, a ideia de que as crianças deveriam ser educadas em suas casas é estapafúrdia, um absurdo”, afirma Daniel Barros.
Mas será que a discussão em torno do homeschooling é de todo despropositada? Afinal, existe uma demanda que parece legítima da parte das famílias de crianças especiais. Daniel Barros responde: “Esse tipo de educação especial precisa ser tratada no âmbito escolar por profissionais adequados para isso. E tanto é que este não é o principal motivo pelo qual essa agenda está em discussão, que esse argumento é pouco usado pelos defensores do homeschooling”.
O entrevistado do Podcast Rio Bravo reconhece, no entanto, que a pauta está colocada no debate público e observa como essa discussão deveria ser encaminhada. “Acredito que o melhor caminho, principalmente para os estados, é tomar medidas na regulamentação que restrinjam o máximo possível a realização do homeschooling. É o que o estado de São Paulo fez, quando, em abril de 2021, o Conselho Estadual de Educação discutiu o tema do homeschooling e regulamentou essa prática no estado condicionada à aprovação de uma lei em nível federal. Isso dava uma sinalização importante de que os estados vão definir as regras e os critérios que o homeschooling vai acontecer.”
Barros destaca que, com isso, os estados podem ser bastante restritivos quanto ao homeschooling, tal como o estado de São Paulo fez, definindo, por exemplo, que pais tenham formação na área em cada uma das disciplinas para oferecer o ensino domiciliar, o que torna a execução mais difícil para qualquer um que vá tentar fazer, como parece ser o objetivo do projeto que passou na Câmara dos Deputados.
Procuramos saber, então, se esta não é uma agenda prioritária, quais são os assuntos de primeira prateleira, por assim dizer, em relação à educação brasileira. A pergunta toma como referência o trabalho de Daniel Barros presente em “País Mal Educado: por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras?”. Para escrever o livro, Barros entrevistou professores, diretores de escola, especialistas em educação no Brasil e no exterior, além de ter conhecido realidades distintas nas viagens que fez pelo Brasil enquanto fazia sua pesquisa.
Barros, então, ressalta que, de um lado, não existe nenhum outro elemento dentro da escola que tenha impacto sobre o aprendizado como o professor. Ele lamenta, em seguida, que não houve qualquer trabalho no sentido de dar conta da necessidade de preparar o docente de forma mais adequada. “Se eu fosse priorizar uma única coisa, seria essa”, destaca.
De outro lado, o entrevistado do Podcast Rio Bravo ressalta que é necessário estabelecer uma conexão entre educação e trabalho. “É preciso parar de pensar que, ao final da educação básica, acaba a responsabilidade do Estado com a nossa juventude. Hoje em dia, o ensino médio é distante das necessidades que os jovens vão ter depois que eles terminam essa etapa da educação básica; baixa penetração do ensino profissionalizante; acesso nada trivial ao ensino superior; uma taxa de desemprego alta entre jovens de 18 a 24 anos”. Nesse sentido, Barros sublinha que há uma preocupação a respeito das juventudes, mais precisamente de como é possível conectar a discussão educacional com a discussão sobre a inserção no mercado de trabalho, este último ponto “um objetivo desejável para uma educação de qualidade”, observa.
Mais recentemente, o Brasil viu surgir e se estabelecer a Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, com o propósito de formatar o novo ensino médio. Daniel Barros reconhece os avanços deste novo currículo, mas reforça que sua operacionalização depende da participação do governo federal. Nas palavras do entrevistado: “A implementação do novo ensino médio é muito complexa: é preciso mudar a organização escolar, é preciso mudar a organização dos professores. E é fundamental, portanto, que o governo federal apoie os estados nesta etapa, criando guias, manuais, avaliações dos melhores cases, que divulgue os melhores cases. E isso não está acontecendo. Cada estado está fazendo a implementação à sua maneira”.
Daniel Barros espera que haja um freio de arrumação para que as oportunidades do novo ensino médio se materializem em realização.
Fabio Cardoso é jornalista e produtor do Podcast Rio Bravo
A íntegra da entrevista de Daniel Barros ao Podcast Rio Bravo está disponível a partir do link a seguir: