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29 anos do Real: a volta do CMN?

Gustavo Franco

Há tempos que ninguém se interessava pelas reuniões do CMN (Conselho Monetário Nacional), o que não é ruim. Pensando bem, o CMN talvez nem devesse existir[1]. Sua história é longa e tormentosa. Nos piores momentos da hiperinflação o CMN se parecia com o atual “Conselhão” (CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável).

É verdade que o CMN nunca teve 200 membros, mas chegou a ter mais de 20, e com péssimas composições. Mais importante, o CMN dos anos 1980 não era apenas um órgão de assessoria, ou de relações públicas, mas a melhor expressão institucional da captura da Autoridade Monetária.

CMN: capturar o banco central é o primeiro passo para qualquer hiperinflação

O caminho mais fácil e rápido para a ruína de um padrão monetário consiste em estragar a governança da moeda, e para isso foi usado ou pervertido o CMN.

O Brasil detonou 7 (sete) padrões monetários em sequência, no meio século que se seguiu à nossa adesão ao Tratado de Bretton Woods em 1944, quando o país se obrigou a organizar um banco central.

Arruinamos o cruzeiro (de 1942), o cruzeiro novo (1967), cruzeiro (de 1970), cruzado (de 1986), cruzado novo (1989), cruzeiro (1990), e o cruzeiro real (1993). Tudo isso antes de estabelecer a URV e o real em 1994, 50 anos depois de Bretton Woods. Vamos comemorar hoje (sábado, 1º de julho de 2023) 29 anos da circulação da URV/real na forma de cédulas.

A importância do CMN na história do país

O CMN foi parte importante de todas as nossas catástrofes monetárias, exceto a primeira, para a qual contribuiu muito o conselho da SUMOC (que existiu entre 1945 e 1965) que era muito parecido, e serviu de modelo para o CMN.

Com a reforma monetária de 1994 houve um profundo reordenamento da governança da moeda, um dos pilares mais importantes do Plano Real. O CMN foi reduzido a um desenho “minimalista” (três membros apenas, Fazenda, Planejamento e Banco Central do Brasil (BCB)), e poderia mesmo ter sido extinto, com suas funções transferidas para o BCB[2].

Esse novo CMN assumia uma função de órgão superior, ou de homologação, do que era decidido na prática em dois outros colegiados de perfil técnico e (pelo menos até agora) controlados pelo BCB: o COPOM e a COMOC.

O COPOM (Comitê de Política Monetária) rapidamente se tornou a face mais visível da atuação da Autoridade Monetária. Seus membros são os dirigentes Banco Central do Brasil, indivíduos aprovados pelo Senado e dotados de mandatos de 4 anos, como se passa com qualquer agência reguladora.

Menos conhecida é a COMOC (Comissão Técnica da Moeda e do Crédito) criada no âmbito do próprio CMN, para concentrar a discussão técnica dos votos que vão para o CMN. Todos os temas regulatórios, bem como os chamados temas “parafiscais”, passam por aqui. É uma espécie de desfiladeiro das Termópilas para o tema do equilíbrio fiscal.

Agora em janeiro, através de MP 1.158/2023, a composição desse colegiado foi modificada a fim de introduzir mais um secretário do ministério da Fazenda. Com isso, a COMOC hoje tem 11 membros, 5 do BCB, entre os quais o coordenador do colegiado, o presidente do BCB.

A COMOC foi tão útil em suas funções que depois de alguns meses e por vários anos em seguida. As reuniões do CMN se tornaram “telefônicas”, ou seja, reuniões que os ministros não iam (uma vez que estava tudo decidido). A lógica era simples: se era uma decisão técnica, como são quase todas, a COMOC prepara os votos e o CMN os “homologa”. Se a decisão é política, o assunto é do Palácio, é lá que se decide.

É interessante que bem perto do 29º aniversário do nosso padrão monetário que essa estrutura de governança, tenha experimentado um teste. O CMN se reuniu no dia 29/06 para deliberar sobre a meta para a inflação de 2026, e a coletiva do ministro da Fazenda se tornou um grande evento. Mas o que realmente se passou?

Na coletiva, o ministro informou que o CMN decidiu que a meta para a inflação para 2026 foi fixada em 3% e que não houve alteração nas metas para 2024 e 2025, que também são de 3%. O ministro insistiu na ideia que estava comunicando ao CMN que o presidente da Repúblico. No entanto, o uso de suas prerrogativas, ia alterar o Decreto 3.088/1999, que definiu a sistemática de metas, para introduzir o conceito da “meta contínua”.

Nenhum texto foi distribuído à imprensa, nem do novo decreto nem do voto ao CMN sobre a meta para 2026. As explicações que se seguiram pareciam longas demais quando cotejadas com o efeito prático dessas mudanças. Ficam estranhas as coletivas em que as autoridades oscilam entre ressaltar a importância e a ausência de impacto prático do mesmo anúncio.

De fato, será preciso entrar na terceira casa decimal para se aferir o mérito da alteração proposta na sistemática de metas. Porém, mesmo assim será difícil se desvencilhar da impressão de que é o que o BCB já pratica.

Por que o ministro da Fazenda quis ir a um detalhe tão aparentemente infinitesimal?

A resposta talvez tenha que ver com outros públicos, ou outras instâncias internas para os quais o ministro entende que precisa se dirigir. O assunto aqui é a ratificação da sistemática de metas.

Algo parecido se passou com o padrão monetário: para aceitá-lo o PT precisou tomá-lo como coisa sua. Ou seja, adotar a doutrina pela qual foram eles a salvar o barco de um naufrágio já em andamento.

De forma similar, a fala do ministro sugere que sistema de metas está meio torto, necessitado de aperfeiçoamentos para se alinhar com as melhores práticas. Bem, tudo na vida precisa de aperfeiçoamentos. Mas nas coisas que estão funcionando, especialmente em Brasília, é melhor não mexer. Às vezes, no setor público, a coisa mais difícil é não falar e sobretudo não fazer nada diante de um falso problema que, por qualquer motivo, é preciso endereçar. O ministro tinha, de fato, diante de si, um complexo desafio de usar esse evento para diminuir as tensões entre o Palácio e o BCB em torno da taxa de juros. Veremos nos próximos dias, até a próxima reunião do COPOM (1 e 2 de agosto), se o ministro foi bem-sucedido em melhorar a atmosfera tanto política quanto financeira.

Mas vamos ao mérito.

É fácil ver que a meta é sempre de 3% depois de 2024, indefinidamente. Não há mais “escadinha”, 3% é o novo zero. Note que não é uma jabuticaba, pois, no Hemisfério Norte, está bem estabelecido que 2% é o novo zero. O fenômeno curioso a refletir é porque o nosso zero é maior que o deles. Será a escala (Celsius versus Fahrenheit) ou será que há uma lógica de “spread”, tal como existe para as obrigações em dólar de tesouros nacionais fora dos EUA com relação à dívida americana?

São novos temas, interessantes para debater no 29º ano do real: qual o melhor conceito de inflação zero? Quem poderia imaginar em 1994 que em 2023 estaríamos discutindo o exato tamanho do zero e não mais os cortes de zeros?

Por fim, sem prejuízo de reconhecer que, a qualquer tempo, o presidente da República pode sempre decretar cumpridas as metas, ou dobrá-las (é disso que trata o art.4 do Decreto 3.088/99), o signatário declara que não sabe o que significa exatamente “apuração contínua” do cumprimento das metas de inflação. Se é para ser entendido de forma ampla e conceitual como a aderência ao conjunto das metas de cada ano, e a consciência de que o horizonte da política monetária não está limitado ao ano calendário, acho difícil deixar de reconhecer que o BCB já vem praticando essa diligência nos últimos anos, portanto, não vejo muito para mexer.

Nesse contexto, é meio que natural que, na presença de metas anuais sucessivas “em escadinha” que a Autoridade tome as metas dos primeiros anos como “intermediárias”, mire no “longo prazo” e não se incomode (como o mercado também não se incomoda) com as “cartas abertas”. O ministro parece querer ensinar ao BCB algo que já vem sendo praticado faz tempo, o que não produz nenhum problema. Será certamente muito bem recebida a determinação presidencial, via decreto, para que o BCB faça o que já vem fazendo.

Bem, e tudo fica mais fácil quando não há mais “escadinha” mas, concretamente, como será?

Se a “apuração contínua” for observar acacianamente o acumulado de 12 meses a cada mês, a pergunta seria como apurar o “descumprimento”. Mensalmente? Trimestralmente ou anualmente, como é hoje? A apuração deve observar, obviamente, a inflação dessazonalizada, mas de que jeito exatamente? E será o índice cheio ou o “núcleo”, mas qual “núcleo”? 12 meses contra os 12 anteriores? É claro que nada disso é matéria de decreto presidencial, talvez nem mesmo de falas ministeriais. O decreto que virá no futuro deverá ser vago sobre detalhes, que devem ser remetidos para o CMN, que deixará vários deles para o BCB, a quem caberá pilotar o avião. E a vida segue


[1] O papel do CMN no desenho da autoridade monetária brasileira, finalmente organizada em 1964, pela lei 4.595/1964, é um dos grandes temas de “A moeda e a lei: uma história monetária brasileira, 1933-2013”. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2017.

[2] Na verdade, só não aconteceu por uma tecnicalidade, era preciso uma lei complementar no figurino do artigo 192 da Constituição no desenho antigo, anterior à EC40/2003, que exigia uma única lei complementar para regular todos os assuntos do sistema financeiro.

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