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As manifestações de 2013 e seus efeitos na competição presidencial

As Jornadas de Junho inauguraram outro tipo de estética e de pautas políticas, alterando a percepção dos atores que organizavam a política nacional

                                                                                                           por Rafael Cortez

Recuperar os movimentos de junho de 2013 se tornou ponto de partida obrigatório nas interpretações da política brasileira contemporânea.

Dito de outra maneira, nada escapa às referências a 2013. Do impeachment da ex-presidente Dilma à radicalização eleitoral, passando pela digitalização da luta política no país, pensar nos significados daqueles protestos – que, para alguns analistas, seriam a versão brasileira da “Primavera Árabe” – é parte integrante de qualquer leitura sobre a conjuntura política do Brasil. Assim, ao menos no imaginário político nacional, o senso comum de que o brasileiro não “gosta de política” caiu por terra.

E a política passou a fazer parte do cotidiano do brasileiro. Desse modo, os dez anos dos protestos representam uma oportunidade para refletir o legado daquela conjuntura para o entendimento dos dilemas democráticos e da trajetória de desenvolvimento do país.

Junho de 2013 e o momento decisivo nas manifestações

O cardápio dos possíveis olhares para a onda de protestos é bastante generoso. As Jornadas de Junho de 2013 são decisivas para o entendimento dos padrões de mobilização social na era digital com menor controle das organizações, que, tradicionalmente, sempre foram hábeis em resolver os problemas da ação coletiva, condição sine qua non para a participação política.

Quando os historiadores no futuro estudarem a força das mídias sociais e da política imagética na democracia brasileira, certamente precisarão revisitar aqueles protestos, o momento em que a voz das ruas se manifestou de forma razoavelmente descentralizada.

A curadoria das pautas dos protestos de 2013 traz um conjunto de informações pertinentes sobre os temas que dividem a nossa sociedade. As manifestações começaram a partir da mobilização em torno do preço da tarifa de ônibus em algumas capitais do país. Com o tempo, os protestos escalaram, graças, em parte, aos episódios de violência policial contra parcela dos manifestantes.

E a mobilização tornou-se, enfim, nacional quando alcançaram um caráter de combate à corrupção e ao mainstream político. Essas mutações impactaram a legitimidade dos protestos para a opinião pública. De manifestações violentas à expressão legítima da contestação à elite política e à falta de representatividade.

Consequências dessas manifestações

Aos olhos da competição presidencial no país, algo fundamental se transformou. O ambiente político depois dos protestos (reforçados pelos desdobramentos da operação Lava Jato) retirou do sistema partidário brasileiro um elemento essencial para o bom funcionamento da democracia: a existência de duas legendas que sistematicamente competiam pelo voto do eleitor apresentando visões de mundo e que aceitavam as regras básicas da convivência democrática.

Aqui, vale a pena justificar ao leitor a relevância do foco sugerido para pensar as manifestações de 2013: a existência de partidos políticos que sistematicamente disputam eleições traz para a democracia duas características centrais. De um lado, reduz o custo de tolerância entre a elite política, contribuindo para a estabilidade das regras do jogo – e, assim, acenando à política moderada. De outro, permite o acionamento da accountability vertical, ou seja, do controle do eleitor, o que aumenta o grau de responsabilidade do tomador de decisão.

Antes de interpretar as manifestações de 2013 como a causa da débâcle democrática, é possível tomar aquele ambiente político (atores, estética na luta e modo de mobilização) como sintoma de uma elite política que não mais organiza a competição presidencial capaz de preservar, simultaneamente, as regras básicas de convivência em uma comunidade política e um espaço de construção gradativa das políticas públicas voltadas à formação de uma sociedade minimamente justa e próspera.

Essa crise da competição presidencial no pós-2013 é resultado da eclosão de conflitos sociais não devidamente canalizados pelos partidos políticos. Para além das disputas clássicas sobre o debate distributivista (o crescer o bolo e a distribuição de cada pedaço desse bolo), os embates políticos atuais envolvem a legitimidade das regras democráticas e do adversário político, bem como temas de fundo moral/identitário que minaram a capacidade de organização de um sistema partidário estável.

Resposta nas urnas

Um dos sintomas dessa política radicalizada é a quase crônica instabilidade do mandato presidencial e, por consequência, das coalizões político-partidárias que sustentam a implementação de um projeto político nacional como base para a busca do voto do eleitor.

Minha leitura é a de que o legado mais resiliente das manifestações de 2013 foi contribuir para a queda, quiçá definitiva, do PSDB como alternativa política em âmbito nacional. O desmanche do sistema partidário brasileiro, ancorado na competição entre petistas e tucanos (1994-2014), minou as condições políticas para a caminhada sustentável do PSDB no médio e longo prazo.

Elites políticas responsáveis sofrem consequências nas urnas por causa de suas escolhas, posto que estabelecem laços com movimentos sociais, junto a organizações de classe, assim como nas diferentes áreas de políticas públicas, visando estabelecer um projeto para apresentar ao eleitorado. Quando governam bem, recebem o aplauso dos votantes. Quando governam mal, perdem o poder e precisam se reconectar com a base.

Em contrapartida, grupos políticos não democráticos não têm a mesma responsabilidade. Desse modo, quando governam, buscam manter poder no longo prazo pela alteração das regras e políticas que minam a competitividade eleitoral. O equilíbrio democrático se perde.

Os protestos de 2013, então, testaram PT e PSDB como reais organizadores do jogo democrático no plano nacional. O elemento comum para ambas as legendas foi a constatação de que as ruas não eram mais monopólio dos grupos e organizações de esquerda. As manifestações de 2013 inauguraram outro tipo de estética e pautas políticas, uma vez que alteraram a percepção dos atores que efetivamente organizavam a política nacional.

A combinação entre a crise da coalizão do segundo governo Dilma (mandato que refletiu o ambiente aberto pelos protestos) e a estratégia da oposição de apostar no impeachment como alternativa tirou do eleitor a chance de se manifestar sobre o desempenho do polo governista naquele momento.

O efeito moderador esperado dos regimes democráticos para o jogo político foi perdendo força sob o novo ambiente que começou a ser gestado em um mosaico de atores e interesses. Com isso, a alternância de poder começou a impactar as políticas públicas. As mudanças incrementais e o diálogo entre os tomadores de decisão deram lugar aos decretos derrubando os programas do governo anterior e às emendas constitucionais votadas no piscar de olhos.

Dez anos depois, 2013 ainda assombra a elite política. A miopia das estratégias e as rivalidades entre esquerda e direita seguem condicionando cada movimento da elite governante do momento.

Reconstruir o consenso das regras do jogo democrático e fazer do bom governo o caminho para permanecer no poder são tarefas dessa elite política, que, no entanto, continua a operar no curto prazo.

Doutor e mestre em Ciência Política pela USP, Rafael Cortez é cientista político e sócio da Tendências. É professor do mestrado em Direito, Justiça e Desenvolvimento do IDP-SP e professor convidado da FGV-SP.

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