Em 2015, a Estou Refugiado nasceu da convicção de que a questão do refúgio estava envolta em uma densa nuvem de desinformação e preconceito. De lá para cá, a iniciativa tem se pautado pela busca de abrigo e acolhimento para os refugiados assim como se destaca por batalhar por oportunidades de trabalho para aqueles que chegam ao Brasil muitas vezes sem qualquer perspectiva para se estabelecer por aqui. No último episódio da temporada 2021 do Podcast Rio Bravo, Luciana Capobianco, fundadora e diretora executiva da Estou Refugiado, conta como se envolveu com essa causa, fala sobre a atuação do Instituto e compartilha algumas das histórias das pessoas que foram alcançadas pelas ações da entidade.
As imagens da criança que morreu afogada na Turquia em setembro de 2015 são dignas das distopias mais sombrias. Só que infelizmente aquela morte aconteceu de verdade – e muitas pessoas passaram a olhar para a questão dos refugiados com mais cuidado. Mais ou menos nessa época, conforme revela em sua primeira resposta ao Podcast Rio Bravo, Luciana Capobianco já havia sido tocada por uma espécie de chamado. “Eu era publicitária e trabalhava muito. Escolhi a questão dos refugiados como uma causa urgente e necessária para trabalhar.”
Num primeiro momento, Capobianco explica que a Estou Refugiado decidiu fazer um experimento social. A partir da plataforma do Tinder, a ideia era fazer uma provocação a propósito do preconceito em relação ao refugiado. Funcionava da seguinte maneira: com base nos dados de Alphonse, um refugiado do Congo, engenheiro eletrônico e que fala cinco idiomas, criou-se um perfil usando como referência a palavra “estrangeiro”. Depois de uma semana, houve 30 matchs de pessoas interessadas em conversar com ele. Na segunda fase da pesquisa, uma mudança: em vez de “estrangeiro”, a palavra de referência adotada era “refugiado”. Daí ele teve apenas três matchs.
“A partir daí nós elaboramos um vídeo, que vilarizou nas redes sociais e, de forma inesperada, começaram a aparecer empresas interessadas na causa e refugiados. E, do outro, lado refugiados que foram impactados pela causa e pelo vídeo para que nós pudéssemos ajudá-los”.
Depois da ação do Tinder, Luciana Capobianco quis levar a iniciativa para um próximo nível. Foi então que ela montou um grupo de trabalho para que, de fato, vidas pudessem ser impactadas pela iniciativa. O movimento, então, passou a se configurar como uma organização. E a própria entrevistada afirma que sentiu o impacto dessa transformação que estava acontecendo. “A cada pessoa que conseguíamos empregar num regime CLT (numa vaga formal, muitas vezes devolvendo-a à profissão que ela exercia no seu país de origem, ou que ela desejava exercer) era uma vitória. E isso teve impacto muito grande em minha vida”.
Quando perguntada a respeito do “estrago” provocado pela Covid-19, Luciana Capobianco conta o seguinte: “No começo da pandemia, nós criamos um projeto chamado Cores do Mundo. Isso surgiu porque os refugiados artistas plásticos estavam passando por muita necessidade. A partir de uma parceria, ofereci o tapume da minha casa para que eles pintassem. Eles foram remunerados por isso. Depois, fizemos o primeiro projeto na Dengo Chocolates, até porque essa empresa emprega refugiados. E então nós ganhamos nosso primeiro painel enorme – na Artur Azevedo, em Pinheiros, que foi seguido de outro, na Av. Rebouças – em parceria com a construtora Pedra Forte. O trabalho desses artistas é muito bonito. E ocupar esse espaço de forma criativa, fazendo dali a galeria possível do refugiado que não consegue entrar nas galerias mais importantes de São Paulo, foi muito importante.”
Apesar dessa história mostrar o caráter inventivo dos refugiados, as histórias desse grupo durante a pandemia nem sempre têm desfechos tão positivos. “Nós nunca vimos tantas pessoas tão necessitadas, a ponto de termos começado a fazer uma campanha de doação de comida e de cestas básicas. E pessoas que nós não imaginávamos que precisariam estavam necessitadas. Foi bem dramático mesmo”.
Mesmo assim, a entrevistada conta que a Estou refugiado deu continuidade ao seu trabalho, de modo a continuar o processo de empregá-los. “Apesar do número de ofertas ter caído bastante, quem conseguia arrumar um emprego era um sucesso, além de dar apoio psicológico, também”.
Ao final da entrevista, Luciana Capobianco destaca como é possível ajudar a quem precisa neste momento tão delicado. “Oferecer uma vaga de trabalho, ou um freelance, ou cestas básicas, por exemplo”. E a diretora da Estou Refugiado lembra de um detalhe importante: “Às vezes, compartilhando uma história, as pessoas podem levá-la longe”.
Para ouvir a íntegra da entrevista de Luciana Capobianco ao Podcast Rio Bravo, basta acessar o link acima.
Fabio Silvestre Cardoso é jornalista e produtor do Podcast Rio Bravo.