A SafeSpace é um canal de escuta por meio do qual as pessoas conseguem se manifestar acerca de casos de assédio, de bullying, de fraude, ou seja, qualquer problema que vá de encontro aos valores, à cultura e à ética das empresas. Na entrevista que concede ao Podcast Rio Bravo, Rafaela Frankenthal, que é co-fundadora da startup, conta como surgiu a ideia da SafeSpace e explica de que modo é possível construir espaços seguros nas companhias.
Um levantamento realizado pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) mostra que o Brasil registra sete casos de assédio sexual por dia. Em 90% desses eventos, a vítima é uma mulher. Os constrangimentos listados são variados: de comentários de cunho sexual a toques inapropriados, tudo isso acompanhado com ameaça, velada ou direta, de perda de emprego.
O nascimento da SafeSpace e suas ideias
Ao terminar o mestrado em sociologia em Inglaterra, tendo escrito uma dissertação sobre assédio sexual no espaço público, Rafaela Frankenthal conta que a proposta de criar a iniciativa da SafeSpace tem a ver com a necessidade de inovar e trazer uma solução para que as empresas pudessem resolver os problemas de assédio internamente antes que pudessem escalar a ponto de trazer riscos. Nós sabemos que esses problemas acontecem em todo ambiente de trabalho, comenta Frankenthal.
Com a mudança para o formato de trabalho remoto, houve um aumento nos episódios de má-conduta das empresas. A cofundadora da SafeSpace comenta: “O ambiente digital trouxe como se fosse uma proteção-extra para as pessoas cruzarem essa linha entre o pessoal e o profissional. E hoje alguns estudos comprovam isso, que os casos de assédio aumentaram durante a pandemia, muito por conta da falta de visibilidade das empresas de estar longe dos funcionários”. Nesse contexto, em virtude da consolidação do modelo home office, cresceu a demanda por ferramentas que monitorassem e resolvessem problemas de comportamento.
Cultura de assédio: o combate a má conduta das empresas
Se o objetivo é construir espaços seguros nas empresas, Rafaela Frankenthal afirma que é fundamental introduzir a dinâmica da escuta ativa. “Isso significa permitir que as pessoas tenham espaço naquele ambiente de modo que as pessoas possam dizer o que está bom e o que não está ok”.
De acordo com a entrevistada, é importante que a liderança busque junto aos funcionários esse tipo de feedback, uma vez que muitos dos problemas de má-conduta estão relacionados a questões estruturais, podendo ser um reflexo da relação de poder, como desigualdade de gênero, fortificando cada vez mais a cultura de assédio.
Questionada se esse tipo de iniciativa é boa para os colaboradores ou apenas para a saúde das empresas, a entrevistada do Podcast Rio Bravo observa que não há problema em agir em benefício da imagem corporativa se o propósito for verdadeiro. “Hoje em dia, o esforço de diversidade e inclusão só voltado para marketing é muito superficial e não convence, principalmente as gerações mais novas, que cobram muito mais responsabilidade social das empresas e estão muito mais atentas a essas questões”.
Tribunal da opinião pública
Em outro momento da entrevista, Rafaela Frankenthal reage à preocupação de que, por causa do clima belicoso das mídias sociais, empresas e colaboradores podem sofrer um desgaste e com o chamado “tribunal da internet”.
“Acho a cultura do cancelamento bem problemática, sim, porque o objetivo é que todo mundo possa aprender mais e, com isso, corrija seus erros – até mesmo por isso a SafeSpace tem um posicionamento totalmente diferente com a proposta de escuta. A maioria dos casos de má-conduta não acontece de maneira intencional, mas, claro, a intenção é uma coisa e o impacto é outra. Por isso, mesmo sem a intenção, é importante endereçar aquele caso para que a pessoa não reproduza esse comportamento negativo no mercado de trabalho. É possível fazer isso de um jeito construtivo, e não punitivo”.
Em relação à força das mídias sociais, Frankenthal salienta que as mudanças não vão acontecer sem a presença de certo ativismo nas redes. “Nós estamos falando de um sistema de opressão. Se não houver um empurrão de baixo para cima com força, o mercado vai evoluindo e reproduzindo aquela desigualdade. É muito por conta dessa pressão que estamos vivendo este momento, no qual as empresas estão investindo em diversidade e inclusão”.
Ao final da entrevista, Rafaela Frankenthal destaca que há muito a ser feito, apesar dos avanços da SafeSpace. “Temos uma longa jornada a percorrer porque nós enxergamos que talvez este seja o problema mais difícil que as empresas tenham hoje, mas que é possível combater. Desconstruir para construir ambientes mais seguros de trabalho – e nós estaremos à frente dessa transformação”.
Por: Fabio Cardoso, jornalista e produtor do Podcast Rio Bravo