A questão da liberdade de expressão é o tema do Podcast Rio Bravo desta semana. Essa discussão tem aparecido em várias frentes, seja na forma como entendemos esse princípio, seja a partir da iniciativa de Elon Musk em comprar o Twitter, passando, ainda, pelo caso Daniel Silveira, o deputado que foi condenado pelo STF e recebeu a graça do presidente Jair Bolsonaro. Com o objetivo de explorar os múltiplos caminhos dessa discussão, nosso entrevistado é Rafael Mafei, professor de direito da Universidade de São Paulo e autor de um artigo recente sobre liberdade de expressão na internet1.
No artigo, Mafei discorre acerca da maneira como os tribunais interpretam a restrição ao anonimato. Nas palavras do entrevistado: “A Constituição brasileira é muito única porque, embora assegure a liberdade de expressão, ela veda o anonimato e existe muita dúvida acerca do que o anonimato significa, principalmente no contexto de internet”. A dúvida em questão gira em torno das páginas de paródia, perfis satíricos ou avatares ocultas e/ou fictícias para se proteger de retaliações dentro e fora do Brasil.
A discussão pode, sim, parecer prosaica, mas, conforme comenta Rafael Mafei, isso pode implicar no risco de perder a vida, se, por acaso, o usuário da internet denunciar um cartel de drogas usando sua identidade real ou um perfil que possa ser identificado. Para o entrevistado do Podcast Rio Bravo, os tribunais lidam mal com essa questão “não só porque as decisões são inconsistentes, como também parecem pouco compatíveis com a realidade da internet, sobretudo por conta da dificuldade de distinguir anonimato e pseudoanonimato”.
Na avaliação do professor de direito da USP, no entanto, o que se percebe “é falta de critério no que se refere ao entendimento à liberdade de expressão, de quais são os limites que ela tem e quando o Estado pode invocar para si uma autoridade de revogar a palavra e tirar do debate público um conjunto de ideias por critérios que sejam justificados”.
O problema real do Twitter
Na esteira dessa discussão, Rafael Mafei também analisa as possibilidades do Twitter, rede social que recentemente foi comprada por Elon Musk. “O que Elon Musk tem de melhor a oferecer ao Twitter pode estar ligado à melhoria dos critérios de atribuição de responsabilidade dentro da plataforma. O Twitter tem um problema, sim, na maneira como a rede se configura como infraestrutura para a disseminação de opinião na internet, mas este não é um problema da moderação de conteúdo. A ideia de que o Twitter vai virar uma terra sem lei esbarra na perspectiva de que, se isso acontecer, corre o risco de virar uma rede de nicho, muito usada por um público radical e que perca a importância como um todo”.
Para Mafei, o desafio de Elon Musk é a maneira como o empresário irá lidar com a manipulação de tráfego com alimentação falsa de volume e de irrelevância, em especial de “comportamentos inautênticos”. O professor da USP se refere aqui ao caso dos robôs, “usuários falsos controlados por máquinas, que ficam ali replicando conteúdos incessantemente, tentando promover uma relevância falsa daquele conteúdo no debate. Esse é um problema real do Twitter.”
Caso Daniel Silveira
Na entrevista concedida ao Podcast Rio Bravo, Rafael Mafei analisa, ainda, o caso Daniel Silveira, que também atraiu a atenção da opinião pública ao longo das últimas semanas. Afinal, especialistas, jornalistas e, claro, usuários das redes sociais se dedicaram a repercutir o episódio – pela ordem, a condenação e, em seguida, a graça concedida pelo presidente Jair Bolsonaro.
Quisemos saber, então, por que este caso ganhou contornos de debate sobre liberdade de expressão. Ao que Rafael Mafei responde: “Existe, sim, uma dimensão de liberdade de expressão aí envolvida, embora eu considere que, do ponto de vista jurídico, a questão mais relevante diz menos respeito à liberdade de expressão de Daniel Silveira como cidadão, e mais ao espaço de imunidade que ele tem como parlamentar”.
E será que neste caso em particular falar em “defesa da liberdade de expressão” significa ajudar a erodir o edifício da democracia ou este é um exagero retórico? “A questão é que se trabalha com uma visão de liberdade de expressão que, eu diria neste caso em específico, é cínica por parte de quem a defende. É inimaginável acreditar que Bolsonaro trabalha por liberdade de expressão, quando, não faz muito tempo, mandou ministro da Justiça perseguir gente que publicou outdoor em crítica ele [presidente]; e usou a Lei de Segurança Nacional para ir atrás de cartunista. Essa pessoa não tem nenhum apreço por liberdade de expressão”.
Ao final do podcast, Rafael Mafei, que é autor do livro “Como remover um presidente” (Zahar, 2021), comenta a discussão em torno da atualização da Lei do Impeachment, que tem mobilizado a atenção de parlamentares ao longo dos últimos meses. Nas palavras do entrevistado: “o impeachment serve para que as instituições não fiquem à mercê de quem possa eventualmente abusar de maneira arbitrária, tirânica e caprichosa da posição que ele ocupa para prejudicar as instituições. Não faz sentido, portanto, colocar esse instituto nas mãos de uma autoridade que possa ser igualmente alguém que possa ser arbitrária, tirânica e caprichosa. É um contrassenso total”. Mesmo assim, Mafei salienta que é necessário levar em consideração o regramento que foi feito pelo STF, além da atuação da Câmara e do Senado nos últimos anos. “Se nós trocarmos isso por uma regulamentação completamente nova, a pretexto de dar mais segurança, nós vamos trazer mais dúvida para o próximo caso de impeachment, quando vier a acontecer”.
A entrevista completa de Rafael Mafei ao Podcast Rio Bravo pode ser acessada a partir do link acima.
Fabio Cardoso é jornalista e produtor do Podcast Rio Bravo.