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Podcast 655 – José Eduardo Faria: “Não faz sentido introduzir um critério evangélico no STF”

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Para José Eduardo Faria, chefe do departamento de filosofia e teoria geral do direito da Universidade de São Paulo, a indicação do presidente da República para a suprema corte não se pautou pelo bem da nação

André Mendonça, da Advocacia Geral da União, é o escolhido do presidente Jair Bolsonaro para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal. Com isso, o presidente da República tenta cumprir uma promessa feita ainda no primeiro ano de mandato, quando afirmou que indicaria um ministro “terrivelmente evangélico” à mais alta corte do país. Além de Advogado-Geral da União, Mendonça é pastor na Igreja Presbiteriana Esperança, na capital federal. Mesmo antes da indicação de Mendonça se concretizar, analistas políticos e especialistas na área do direito questionavam a legitimidade dessa recomendação. No Podcast Rio Bravo desta semana, vamos a fundo nesse debate. Nosso convidado é José Eduardo Faria, professor titular e chefe do departamento de filosofia e teoria geral do direito da Universidade de São Paulo. Ele analisa as consequências da possível chegada de André Mendonça ao STF, além de discutir as implicações para as instituições brasileiras de um ministro alinhado com o atual presidente da República.

Na sua primeira resposta ao Podcast Rio Bravo, José Eduardo Faria fala a respeito da filiação religiosa de André Mendonça, titular da AGU. “Ele não é terrivelmente evangélico. Nem evangélico ele é. Mendonça é presbiteriano e há uma enorme diferença de densidade teológica entre presbiterianos e evangélicos”.

É logo em seguida, no entanto, que Faria aponta o que seria o verdadeiro motivo para a escolha do Advogado-Geral da União para a vaga no STF. “O presidente não escolheu André Mendonça por ser religioso, mas sim por ser um cumpridor de ordens e isso fica claramente evidenciado na indicação do ministro Kássio Nunes. O presidente deseja ter no poder alguém que seja servil a ele, que se curve às pressões dele. Logo de saída, a indicação não é algo que se pensou o bem da nação, o bem público ou a identidade coletiva. O que se pensou foi alguém que defenda tudo aquilo o que o presidente quiser de maneira servil, inclusive questões constitucionais, políticas e econômicas”.

Para José Eduardo Faria, o mérito da discussão se encerra quando se observa a natureza das decisões de um ministro na mais alta corte do país. “Ao entrar, o André Mendonça terá de deixar de lado a sua posição religiosa e julgar como um técnico do direito”.

Ao longo dos últimos anos, é possível afirmar que algumas das decisões do STF confrontaram uma parcela significativa da sociedade brasileira em pautas consideradas sensíveis por segmentos mais reacionários. Até que ponto a escolha por um ministro com o perfil de André Mendonça tem a ver com uma resposta a essa movimentação? Para José Eduardo Faria, “se nós olharmos o comportamento do presidente da República ao longo desses dois anos e seis meses, nós vamos perceber que esses valores morais, essa visão mais conservadora e religiosa, é muito mais uma estratégia eleitoral do que uma manifestação de coerência, baseada numa ética de convicção”. A título de ilustração de seu argumento, nosso entrevistado menciona o vocabulário adotado pelo presidente da República (“incompatível com a posição de chefe de Estado”), para além da posição “racista e homofobista” do mandatário.

Já ao tratar especificamente da atuação do Supremo Tribunal Federal, José Eduardo Faria observa que os ministros que ali estão sabem ouvir a sociedade, a despeito de seus valores. E como exemplo da posição de André Mendonça, Faria recupera a declaração do Advogado-Geral da União, quando este terminou citando a Bíblia e os dizeres “que Deus tenha piedade de nós”, afirmando, ainda, que a proibição dos cultos configurava uma discriminação vedada pela Constituição (por ocasião da proibição de eventos presenciais durante a alta de casos de Covid-19 no primeiro semestre de 2021). Neste momento do Podcast Rio Bravo, o entrevistado não poderia ser mais enfático: “Caso venha a ser aprovado na Comissão do Senado e pelo plenário do Senado, esquecendo-se que o Estado é laico e enveredar por esse tipo de argumento, o ministro Mendonça vai criar desordem. Em vez de contribuir para a segurança do direito, ele vai promover, em certo sentido, a incerteza jurídica”.

Na história recente do país, houve outros momentos de dúvida quanto à indicação do ministro do Supremo Tribunal Federal. Talvez o caso mais ruidoso nos últimos anos, tenha sido com relação ao ministro Joaquim Barbosa, indicado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Poucos anos depois, Barbosa foi o relator do caso do Mensalão e assumiu uma posição independente em relação ao Partido dos Trabalhadores. Ao falar deste exemplo, José Eduardo Faria não apenas lembrou de outros casos, como dos ministros Moreira Alves e Aliomar Baleeiro durante a Ditadura Militar (1964-1985), como também ressaltou que o comportamento do ministro Barbosa (e desses outros) tem a ver com a densidade acadêmica e uma trajetória política que o Advogado-Geral da União, André Mendonça, não tem.

“Se nós olharmos, o ministro André Mendonça vem de uma faculdade de direito menos expressiva; tem uma tese que não foi publicada em forma de livro; e, embora tenha atuado como advogado da AGU, só ganhou destaque nos últimos anos quando passou a assessorar outros advogados da AGU, que são indicações de natureza política. O crescimento dele não se deu a partir de uma carreira acadêmica. Pelo perfil dele, eu prefiro concordar com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, que ele usou a religião para ser catapultado a tribunais superiores”.

Em sua última resposta, José Eduardo Faria reforça a importância da formação acadêmica e intelectual para a posição de ministro do Supremo Tribunal Federal: “Quanto mais preparado é um operador do direito, mais ele se formou em uma universidade de primeira linha, mais ele fez uma pós-graduação em universidade de primeira linha, mais ele fez teses originais, mais ele participou de grandes debates e mais títulos ele foi adquirindo na carreira acadêmica”. Faria considera que a formação interdisciplinar, mais sólida, é fundamental, assim como outros ministros do Supremo têm, como Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Edson Fachin. “Quanto maior é a envergadura intelectual de um ministro do Supremo, maior é a fundamentação jurídica, técnica e filosófica do voto dele”.

A entrevista completa de José Eduardo Faria, professor titular e chefe do departamento de filosofia e teoria geral do direito da USP, ao Podcast Rio Bravo pode ser acessada a partir do link acima.

Fabio Silvestre Cardoso é jornalista e produtor do Podcast Rio Bravo

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