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O mês de Janeiro 2024 – O ano que ainda não começou

No mês do Carnaval, o noticiário econômico costuma ser magro, sem maiores novidades.

O mês de janeiro costuma ser magro em notícias na economia, ressalvados os anos de mudança de governo, como foi o caso de 2023, ano especialmente complexo nesse quesito.

Dessa vez, contudo, a monotonia é absoluta. O recesso parlamentar não será atrapalhado por notícia velha ou por medidas pirotécnicas.

Mais ou menos nessas duas categorias, se encaixam:

  • a Medida Provisória 1.202/2023 de reoneração da folha de pagamentos, assunto considerado já resolvido pelo CongressoG e no qual a insistência do governo parece um gesto teatral com o fito de acalmar suas tropas;
  • e a dita nova política industrial, também dando a impressão de ser destinada a agradar o acampamento de patriotas aglutinados ao redor do BNDES.

Não foi simples para a imprensa interromper as férias de algumas lideranças parlamentares para obter indicações de contrariedade com o Executivo com a MP 1202.

Parecia meio óbvia a irritação e a mensagem de que o assunto não vai a lugar algum. O tema já foi objeto de derrubada de veto presidencial, a fixação no assunto é mais teatral do que real.  

Nova Indústria Brasil

O programa atingiu seu objetivo de ocupar boa parte do noticiário ao longo do mês, uma demonstração eloquente e inequívoca da profunda falta de assunto nesse mês de janeiro e começo de 2024. Há pouquíssima novidade no programa, dito de 300 bilhões, mas que, na sua quase totalidade, diz respeito a recursos que já seriam desembolsados pelo BNDES e pela FINEP.

Grosso modo, como 90% do programa já ia acontecer e outros 10% era uma coleção de pequenas novidades não muito polêmicas, na média, o Nova Indústria Brasil é simplesmente pouco relevante. A dúvida é sobre o imenso destaque dado ao anúncio pela comunicação governamental.

Parece muito clara a intenção de prestigiar Aloisio Mercadante e Geraldo Alckimin, bem como os patriotas ali acantonados esperando um chamamento que provavelmente não ocorrerá. A economia política interna do PT é reconhecidamente complexa, de tal sorte que esses gestos cenográficos têm mais importância do que se supõe.

 A ideia de “neoindustrialização”, o que quer que seja, conta com defensores aguerridos tanto na administração pública quanto no setor privado. Esse tipo de anúncio oferece um palanque e um momento de glória a esse grupo, cujo apogeu se deu com as falas de Mercadante e sua repercussão nas redes sociais.

A surpresa do grupo adveio da péssima repercussão do anúncio para o público em geral, especialmente no jornalismo econômico. É mais uma área em que tudo se transformou, aos olhos dos governistas, relativamente à última vez que o PT esteve no poder. As críticas vieram não apenas do terreno fiscal (de onde vem esse dinheiro?) como também sobre a natureza do programa (por que desse jeito e para esses fins?).

O ministro Mercadante elevou o tom em suas respostas, não saiu bem na foto e mais longe acabou ficando de Brasília.

Concretamente, não há medidas realmente importantes, nem grandes despesas. As confrontações ideológicas e debates estão todas no terreno da retórica e acerca do que o ministro falou sobre a indústria naval, entre outras minudências. Nada realmente relevante a interferir com os andamentos da macroeconomia.

Na verdade, é menos um programa que um estudo de intuito marqueteiro sobre o que já se faz em causas nobres e temas da moda. Tudo, no novo programa, serve à produtividade, à inovação e à sustentabilidade, e os seus seis eixos vão um tanto além da indústria: (i) cadeias agro; (ii) saúde (iii) cidades; (iv) transformação digital; (v) descarbonização e (vi) defesa.

Como se opor a algo tão bem-intencionado?

Houve muita solenidade no anúncio, como se fora algo realmente importante, apenas com a ressalva de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não estava presente, tampouco pronunciou qualquer palavra em apoio ao colega presidente do BNDES.

Não é que o programa seja irrelevante, tais desígnios são nobres demais para essa qualificação. O adjetivo talvez mais próprio é “inofensivo” e seu propósito é assegurar a paz social dentro do PT, nada além.

Balanços de fim de ano

O mês de janeiro costuma ser pobre também na apresentação de dados da economia, uma vez que boa parte das divulgações sobre o ano fechado que acabou de terminar é antecipada e discutida em dezembro, com os balanços de fim de ano.

A exceção a essa regra foi a publicação dos dados sobre o déficit primário para 2023, notícia meio velha, já que não houve bem uma surpresa: 230 bilhões (2,1% do PIB), divulgado junto com a observação pela qual cerca de 90 bilhões dizem respeito ao “meteoro” dos precatórios, conforme a expressão já consagrada do ex-ministro Paulo Guedes.

O número não é bom, e a forma do anúncio foi sestrosa, buscando navegar na ideia, popular em Brasília, que precatório é uma despesa “de segunda classe”. Ou ao menos, uma despesa que não pode ser alterada pelas ações da equipe ora no exercício dos cargos da economia. É como tentar argumentar que uma parte importante do resultado tem a ver com os governos do passado, o que é verdade, mas não é tão importante.

Entretanto, muita gente entende que precatório é como dívida pública, sobre a qual não poderia nem deveria haver contingenciamento, atraso, reestruturação, essas coisas. Não foi o que ocorreu, é verdade. O “calote do calote” foi, de fato, coisa da administração anterior: através das emendas 113 e 114 de 2021. Em 2024, o ministro Haddad parecia apenas preocupado em livrar-se da responsabilidade pelo estouro nas contas.

O tom do anúncio revelou nuances importantes do panorama brasiliense. Haddad se acomoda mais fortemente na postura fiscalista, o Antonio Pallocci da terceira presidência Lula, posição para qual foi empurrado pelo próprio PT, em virtude da sua habitual combatividade, bem como pela extroversão de Mercadante e seu grupo.

Pode haver, inclusive, alguma flexibilização da meta fiscal de zerar o primário para 2024, mas isso não será visto como falta de empenho do ministro no tema da disciplina fiscal.

Na verdade, Haddad pretende introduzir medidas tributárias pesadas ao longo do ano, usando a expressão (consagrada em 2023) ‘reforma tributária’ para impulsionar o seu programa de tributação progressiva da renda e do patrimônio.

No decorrer do ano de 2024, o governo terá de decidir se abraça mais explicitamente um programa de aumento de impostos, aí incluindo a tributação de dividendos, novas regras para a JCP, imposto dobre a renda, herança e mesmo grandes fortunas.

O destino do ministro fica associado a um aumento de impostos, o que acaba gerando certa ambiguidade em seus apoios empresariais. O ideal seria vê-lo comprometido com alguma redução na despesa, o que talvez se observe no decorrer de 2024.

Política monetária: só em março

A reunião do COPOM se deu no mês de janeiro (31), com a queda na SELIC para 11,25%, sem qualquer resquício de surpresa. A política monetária voltará a ser assunto apenas em março e, mesmo assim, não se espera nenhuma novidade até meados do ano, com o gradual aumento do debate sobre os fatores que podem interferir no ritmo da queda de juros.

Por ora, após o mês de janeiro, nada indica que esse ritmo vá se alterar. O assunto da “taxa neutra”, ou da taxa terminal desse ciclo de baixa, ficará provavelmente para o segundo semestre. Teremos muitas avaliações pelas quais o IPCA, ou algum indicador de atividade, surpreendeu para cima ou para baixo, com implicações sobre o que o COPOM poderá fazer. Mas o debate sobre a taxa terminal será mais adiante, junto com a discussão sobre a escolha do sucessor, ou a antes impensável recondução, de Roberto Campos Neto no Banco Central.

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O discurso de Lula na 78ª Assembleia-Geral da ONU: entre o esperado e o fabricado

Comentários acerca dos pontos controversos do discurso do presidente da República na 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas.

Paulo Roberto de Almeida

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura dos debates na 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Este é o 9º que ele pronuncia, depois dos oito anteriores já feitos em seus dois primeiros mandatos, entre 2003 e 2010.

Não difere muito do tom reivindicativo e até pedagógico (ensinando ao mundo como ele poderia se comportar melhor) daqueles precedentes. Ou seja, a não ser pelo fato deste mais recente, em 19 de setembro de 2023, revelar mais abertamente algumas das opções políticas já desveladas por Lula em diversas ocasiões nos últimos nove meses.

Vamos evidenciar apenas alguns aspectos desse pronunciamento, dadas a sua extensão (cerca de seis páginas). E as suas pretensões abrangentes, de Norte a Sul, de Leste a Oeste.

Semelhanças e o padrão democrata

Cabe, antes de mais nada, registrar que o texto possui algumas das características típicas de todos os seus discursos num ambiente diplomático. Ou seja, uma estrutura híbrida e os seus componentes bipolares: de um lado, os elementos habituais de um discurso feito por burocratas do Itamaraty.

Basicamente um estilo mais polido, e de outro lado, os componentes partidários e ideológicos que são mais frequentemente enxertados no Palácio do Planalto.

Antes, nos dois mandatos anteriores, e até no 1,5 mandato de Dilma, essa tarefa estava ao encargo do apparatchik do partido encarregado dos assuntos internacionais. Mais conhecido no Itamaraty como “chanceler para a América do Sul, agora é o próprio ex-chanceler desempenha a função, provavelmente ajudado por alguns petistas.

Esse primeiro lado, o diplomatês habitual, é o esperado nos discursos, com a sucessão de invectivas sobre as desigualdades sociais, étnicas e outras. Além disso, o pouco comprometimento dos países ricos em atender aos requerimentos desejados pela cooperação para o desenvolvimento dos países mais pobres.

Assim, acrescido das questões mais presentes nas últimas décadas, como:

  • Sustentabilidade ambiental;
  • transição energética;
  • ameaças à paz internacional derivadas das armas atômicas;
  • outras questões desse rol.

Não há muito o que comentar nesse particular, pois é o que vêm fazendo todos os chanceleres, desde muitas décadas no passado. E o que farão também os seus sucessores, no futuro previsível.

Vamos deixar de lado, então, a questão da fome no mundo, a desigualdade na distribuição de renda ou até a defesa da democracia. Tudo isso já era esperado e habitual.

Novidades presentes em um discurso moderno e diferente

O mais interessante, portanto, seria comentar o que há de novidade no discurso deste ano. E aí é que entram as tais novidades políticas, ideológicas e partidárias, que parecem ter se acentuado desde algum tempo.

Talvez coincidente com a volta de uma nova Guerra Fria, desta vez não mais geopolítica, como no fim do século XX, e mais econômica/tecnológica. Desde a ascensão irresistível da China à preeminência comercial planetária.

A principal é uma crítica à própria ONU e suas instituições subordinadas, o que não era frequente nos discursos tradicionais preparados pelo Itamaraty.

Lula disse que “Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução”. O exemplo indicado é o diferencial de ajuda dado pelo FMI aos países europeus. Segundo ele 160 bilhões de dólares, e aquele fornecido aos países africanos, no fim, apenas 34 bilhões de dólares.

Se considerarmos o PIB conjunto da Europa e África, assim como a amplitude dos desequilíbrios que possam ter sido compensados pela ajuda do FMI. Constata-se que os países africanos receberam muito mais, pelo porte das economias e pela renda per capita. Não se vê, por outro lado, onde é que as instituições de Bretton Woods e a OCDE fizeram a “apologia do Estado mínimo”. Quando esses órgãos são o mais próximo que se possa ter, nas economias de mercado, de planejamento econômico e de intervencionismo na regulação macroeconômica e setorial.

Divergências econômicas

Fica também difícil de constatar onde o “neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias”. Sendo que seu legado seria “uma massa de deserdados e excluídos”.

Os dois maiores países antes guiados pelo socialismo ou pela ação diretiva do Estado, China e Índia, são justamente aqueles que retiraram centenas de milhões de miseráveis de uma pobreza ancestral graças ao fato de terem abandonado o dirigismo anterior e aderido a versões mais abertas de uma economia de mercado, inclusive por uma inserção deliberada em todos os tipos de transações globalizadas.

Mas o argumento mais surpreendente se refere à guerra na Ucrânia: segundo Lula, ela “escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU.” Como coletiva? A guerra de agressão foi perpetrada por um violador claramente identificado coletivamente, condenado em resoluções da própria AGNU, mas que NUNCA é referido por Lula, o que se parece bem mais com uma espécie de miopia individual, ou coletiva, dos que escreveram o discurso para o presidente.

Lula e o seu discurso com um teor crítico e reflexivo

Lula também é crítico de “toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência”, o que é desmentido pela sua exaltação da ampliação do Brics – descrito por ele como “uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes” – e por seus recorrentes apelos à construção de uma “nova ordem global”, de sabor, teor e finalidades claramente antiocidentais, dadas seus reiteradas críticas aos países ocidentais que “estão sustentando a guerra na Ucrânia pelo fornecimento de armas”, o que é, no mínimo, um convite ao desaparecimento do país invadido pela força das tropas invasoras.

O crescimento do Brics, decidido na cúpula de Joanesburgo – mais 120% de membros, mais uma vez pelas mãos da China, como já tinha sido o caso da África do Sul – fortalece, segundo Lula, “a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21”.

O sentido dessa ampliação aponta claramente para uma oposição ao “neoliberalismo falido”, que, na visão do presidente, foi substituído por “um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”. Algum jornalista talvez devesse perguntar a Lula o que ele está achando do governo de Putin, que tem feito leis de nítido teor conservador, homofóbico e autoritário.

O único jornalista do qual ele se lembrou foi Julian Assange: Lula não deve ter sido informado da situação do jornalista russo Vladimir Kara-Murza, condenado por Putin a 25 anos de cadeia supostamente por “espalhar desinformação”.

Os antigos discursos puramente diplomáticos de Lula eram bem mais coerentes com a democracia e os direitos humanos, que Lula diz defender, e bem menos divergentes com uma realidade fabricada por seus assessores puramente partidários para este discurso de 2023.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata, professor e escritor


Nota do Editor: Paulo Roberto de Almeida participou, recentemente, do terceiro episódio da atual série de Videocasts da Rio Bravo, “As Instituições Estão Funcionando?” Confira a íntegra da entrevista a partir do link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=1JJC4Q9eB7E

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“Meia estação” por Gustavo Franco

Brasília se acalma quando o presidente viaja, pois boa parte da capital, juntamente com o noticiário, viaja com ele. O tema de mais essa etapa da diplomacia presidencial é a expansão do grupo BRICS, assunto de grande visibilidade, mas de efeitos econômicos “de longo prazo”, difíceis de se vislumbrar no primeiro momento.

Grandes debates podem ser entabulados sobre se os BRICS, ou se alguma expansão desse grupo, alcançarem a expressão e o significado do finado grupo dos 77 (G-77), os países ditos “não-alinhados”, de certo peso nos tempos da “guerra fria”.

O contexto é outro, mas há pouca dúvida de que o grupo se tornou algo bem maior que o prefigurado pelo criador do acrônimo, Jim O’Neill, em um já célebre relatório de pesquisa da Goldman Sachs.

Mas certamente parece exagerado pensar que o grupo possa entreter ideias ambiciosas, por exemplo, sobre a desdolarização do comércio internacional.

A construção e expansão do grupo está em andamento e não se sabe bem até onde poderá ir.

No Summit de Johanesburgo, agora no mês de agosto, o grupo Brics ajustou a inclusão de seis novos membros: Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Egito e Irã.

Não há mais um acrônimo que possa encapsular as iniciais desse novo G-11, e está aberta a temporada para as interpretações econômicas e geopolíticas sobre os termos de referência desse novo Brics.

O fato é que, sem a expansão de agora, os cinco membros originais respondiam por cerca de 15% do PIB mundial em 1992 e hoje sua contribuição ultrapassa 1/3, com 3,4 bilhões de pessoas, ou seja, mais de 40%da população do planeta.

A contribuição do G7 para o PIB global era de 45% em 1992 e passou a 28% em 2023.

É claro que esse G-11, ou o grupo BRICS depois de uma expansão (BRICS+), ainda pode crescer muito mais, porém, necessariamente, sua personalidade vai mudar.

Sua próxima expansão possivelmente confrontará não mais o G-7, mas o G-20, cuja presidência será do Brasil entre dezembro de 2023 e novembro de 2024. E o grande desafio do próximo ano, resumido em uma única palavra, será: Argentina.

Os novos membros do BRICS+ não necessariamente contribuirão capital para o banco, o NDB (New Development Bank, conhecido como o “banco dos Brics”). Embora isso possa ocorrer em se tratando dos novos sócios que vêm do Golfo Pérsico, os outros, como a Argentina, deverão permanecer na ponta tomadora, do outro lado do balcão, como clientes. Crescendo em direção a seus clientes, o BRICS+ tende a ser uma emanação da China, um desafio para os outros países fundadores do grupo Brics.

Cada um dos sócios originais do grupo possui sua agenda e seus interesses específicos e circunstanciais no desenvolvimento do bloco, que terá de se equilibrar numa linguagem sempre muito neutra para definir sua razão de ser e para acomodar as suscetibilidades de cada sócio.

Para o Brasil, resta evidente que o grupo e o conceito do BRICS+ permitem uma fusão entre a diplomacia pessoal do presidente da República e as agendas da esquerda do Itamaraty, bem representadas e assentadas no novo governo através da presença do embaixador e ex-ministro Celso Amorim, como um ministro sem pasta, ou chanceler “sombra”.

A inclusão da Argentina nessa primeira expansão do grupo BRICS pode ser vista como uma vitória brasileira, restando cogitar sobre o quanto deverá custar. Pode ser um favor para os Hermanos que, inclusive, afaste o Brasil de obrigações financeiras com o vizinho. Seria como fazer uma introdução, e deixar a dura conversa sobre funding com os sócios chineses. Mas talvez seja o contrário: o Brasil pode não conseguir se desvencilhar de contribuir para um pacote argentino, que parece provável em sequência às eleições de outubro, e que pode ser gigante e arriscado, e cuja construção provavelmente passará pelo G-20.

Um candidato que desafia descrições

A Argentina realizou em 14 de agosto as suas primárias presidenciais (PASO – Primarias Abertas Simultâneas Obrigatórias) e o grande vencedor foi Javier Milei, um candidato que desafia descrições: como definir o populismo pela direita, com fortes tonalidades de liberalismo de modalidade libertária, na pátria do peronismo?

A analogia com Bolsonaro é automática e um tanto perturbadora, mas não passa de uma aproximação: os outsiders políticos, como as famílias infelizes de Tolstói, o são cada um de um jeito.

A aceleração da inflação tem sido alarmante, bem como o estado das finanças públicas. Conservadoramente, o FMI estima que a inflação termine o ano em 120%, com queda de 2,5% no PIB, mas a situação fiscal se encontra em franca deterioração, sendo que o próprio FMI não acredita que o governo cumpra sua meta fiscal para o ano, um déficit primário de 1,9% do PIB. Há um acordo com o FMI em andamento, cuja sexta revisão revelou uma impressionante taxa de descumprimento.

As eleições presidenciais terão lugar em outubro, e vai se firmando a expectativa de um pacote anti-inflacionário radical.

A inflação é o grande assunto da eleição, e a atmosfera lembra a disputa brasileira de 1989, época em que o presidente era eleito em outubro e a posse ocorria em março do ano seguinte. A tensão vai crescendo de tal sorte que um pacote se torna inevitável para quem quer que vença.

Miliei tem como principal assessor econômico o economista Emilio Ocampo, autor de um livro (em coautoria com Nicolas Cachanoski) cujo título fornece uma indicação muito forte sobre o que poderá se passar: Dolarización: Una Solución para la Argentina.

Risco sempre presente

Entretanto, é difícil imaginar que a Argentina consiga implementar um regime como o do Equador, de dolarização sem “currency board”, e sem uma moeda fiduciária nacional. Esta seria a próxima variante (a última?) ainda não tentada, ainda mais radical que o “Plano de Conversibilidade”, associado ao ministro Domingo Cavallo, de 1991, e que colapsou em 2002.

Parece também difícil imaginar que isso possa ser tentado sem que ocorra algo como um “Plano Bonex” (o equivalente argentino para o confisco do nosso Plano Collor). Vamos aguardar.

Enquanto isso no Brasil, em imenso contraste, vamos festejando discretamente os 29 anos do padrão monetário iniciado em 1994, e refletindo sobre o longo prazo, ou sobre os próximos 30 anos de política monetária e de mercado de capitais, em um ambiente de estabilidade de preços, ou de inflação de Primeiro Mundo.

As primeiras três décadas do real foram muito profundamente marcadas pelas dores do tratamento.

Demorou pouco menos de três anos, a partir do Plano Real, para que a inflação, medida pelo IPCA, caísse abaixo de 5% anuais no acumulado de 12 meses. Mas foram mais de 25 anos para a SELIC chegar nesse patamar. O COPOM, que foi criado em 1996, se reuniu 226 vezes antes de colocar a SELIC em 4,5% anuais em 11/12/2019.

Foi uma trajetória longa e tormentosa e uma de suas lições mais cruéis é que não há cura definitiva: o risco de retorno da velha senhora está sempre presente e requer esforço permanente de prevenção.

A experiência recente da Argentina serve como valioso referencial para os que não lembram, ou que não viveram as dificuldades dos anos 1980, e não compreendem a gravidade e a complexidade de uma hiperinflação.

Passados 30 anos do Plano Real, e mesmo depois de longa desintoxicação, a inflação permanece uma ameaça, ainda que numa ordem de grandeza diferente da que teve no passado. Feita a ressalva, é interessante refletir sobre o horizonte que se apresenta para a política monetária e para o mercado de capitais brasileiro.

Ressalvada uma deterioração fiscal significativa, que sempre parece estar na próxima esquina, mas que, em verdade, é bem mais difícil de ocorrer hoje do que já foi no passado, é legítimo admitir que o Tesouro deverá encontrar melhores condições de (re)financiamento de sua dívida nos próximos 30 anos, especialmente se comparadas às condições observadas nos primeiros 30 anos do real.

Em tempos de crise fiscal, parece claro que a manutenção de juros reais positivos, todos dias a cada dia, funcionava como uma garantia de backstop público contra os efeitos da inflação, e como uma condição essencial para afastar o risco de uma hiperinflação. Eram os tempos do overnight.

É claro que a situação fiscal brasileira não é a de um país que tenha sequer o “grau de investimento”, mas a crise fiscal aberta do início da década de 1990 parece ter ficado para trás. Entretanto, o reconhecimento desses progressos “institucionais” ficou mais difícil depois que o próprio presidente da República politizou as taxas de juros, com isso incentivando os economistas, e mesmo o Parlamento, a cerrar fileiras em apoio ao Banco Central e a voltar suas atenções para a sustentabilidade fiscal.

Com efeito, o assunto do equilíbrio fiscal está bem longe de estar resolvido, e a aprovação do chamado     “arcabouço fiscal”, em linha com o determinado pela PEC da Transição, representa nada mais que um passo relativamente tímido nessa direção. O país recebeu um upgrade na classificação de risco soberano, mas ainda permanece firmemente abaixo do “grau de investimento”.

Do ângulo intertemporal, a ideia de efetuar um “ajuste fiscal permanente”, ou de adotar um regime fiscal que de fato estabeleça a sustentabilidade fiscal, destinado a colocar o país na região do “grau de investimento” deveria ser um no-brainer. Reduções de despesa hoje se transformariam em grandes economias de juros no futuro.

É simples: ficaria mais barato para o Tesouro (re)financiar sua dívida porque haveria menos risco. Se o país chegar ao “grau de investimento”, e mesmo ultrapassar essa marca em dois ou três degraus (chegando no nível do Chile, por exemplo), certamente conseguiria reduzir substancialmente o custo de sua dívida, com imensa vantagem fiscal.

Mas as decisões de política fiscal não são feitas com essa lógica.

O ministro da Fazenda deveria ser o depositário desses princípios, o que, todavia, não parece ser o caso. A atenção do ministro parece unicamente concentrada nos impostos, e muito pouco em redução de despesa. O arcabouço foi uma boa iniciativa, mas é menos efetivo e restritivo que o teto de gastos. Suas metas de superávit primário não parecem factíveis, nem mesmo na banda inferior, o que remeteu o ministro da direção dos impostos e do desgaste.

A associação do ministro, e do governo, ao aumento da carga tributária, aliada à leniência com a despesa, deverá ficar mais flagrante e politicamente custosa.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, perdeu espaço e não faz contraponto ao ministro, até pelo contrário, parece se alinhar ao petismo mais radical, que, talvez por profissão de fé ou obrigação política, não apoia o ministro da Fazenda.

O ministro Haddad tentou encontrar linhas de menor resistência no campo da arrecadação, com o propósito de não descumprir muito flagrantemente sua promessa de não aumentar a carga tributária, mas não está fácil. Os sites de varejo para pequenas compras – que funcionam com “sacoleiros” em e-commerce – e os de apostas esportivas são novas fontes, mas de potencial limitado para as ambições do governo.

Os esforços para a tributação dos recursos offshore, bem como dos fundos exclusivos, exigiram um “esforço de vendagem” através do argumento de que eram tributações sobre “super-ricos” que, por qualquer razão, tinham sido “esquecidas” pelos seus antecessores. Em ambos os casos, todavia, há um problema formal em se tributar estoques, portanto o já acontecido, evocando a velha máxima pela qual também o passado, no Brasil, é incerto.

Panorama de investimentos

Num cenário em que o governo encontra um bom caminho para a política fiscal e se aproxima efetivamente do “grau de investimento”, faz sentido especular sobre o que se passará com os juros e com o panorama de investimentos.

Num cenário de sustentabilidade fiscal, não faria mesmo muito sentido que o Tesouro refinanciasse sua dívida pagando juros maiores que a inflação a cada dia todos os dias. Teria que haver uma conversa sobre o “desligamento”, talvez impossível no Brasil, do custo do financiamento da dívida pública e a política monetária.

Na planície, enquanto isso, os investidores brasileiros se acostumaram a ganhar da inflação, e do CDI idealmente, todos os dias e a cada dia, mesmo que mantenham suas aplicações por prazos longos e não precisem da liquidez.

Consolidamos uma “cultura do CDI diário” da qual não se consegue escapar, e que é preciso superar para que o mercado de capitais brasileiro progrida e para que o financiamento do governo seja mais barato.

É claro que será mais barato se for menos arriscado, como acima observado. O que nos leva de volta ao problema fiscal, infelizmente ainda não resolvido, e nem mesmo reconhecido em toda a sua complexidade.*

É muito possível, talvez bem provável que em meados do ano que vem, a prevalecer o ritmo de redução da SELIC indicado na última reunião, ocorrida em 2 de agosto, o Banco Central venha a enfrentar um debate sobre onde pode estar a “taxa neutra”. Ou sobre até que nível de SELIC irão as reduções.

O Relatório FOCUS registra a expectativa de 11,75% para SELIC na virada do ano de 2023, implicitamente projetando três cortes de 0,5% para as três reuniões marcadas para este ano.

Para 2024, todavia, o FOCUS projeta 9,00% para o fim do ano, mas se o COPOM permanecesse cortando 0,5% a cada reunião, o ano de 2024 terminaria com 7,75%. Implicitamente se projeta, portanto, que o COPOM enxergará que chegou na taxa neutra em meados de 2024.

Mas o debate será interessante sobre o nível em que verá aterrissar a SELIC nesse ciclo de baixa já iniciado. A trégua que o presidente da República deu ao BC pode ser removida e as hostilidades podem se renovar, bem quando o mandatário terá que fazer a sua escolha para os três dirigentes do BC cujos mandatos se encerram em dezembro de 2024, aí incluído o do presidente Roberto Campos Neto.*

A atmosfera política está amena, como é próprio da meia estação, mas talvez apenas na aparência. Parece não esmorecer o noticiário referente ao ex-presidente Jair Bolsonaro, mas a fila anda, e o Legislativo vai lidando com novas pautas de interesse do governo.

As relações entre o Executivo e o Legislativo têm sido conduzidas com enorme cuidado. O rescaldo das eleições é complexo. É claro que haveria mais velocidade nos projetos de governo caso aprovada a reforma ministerial que se destina a proporcionar mais espaço político para o chamado “Centrão”. Mais velocidade, nesse contexto, naturalmente significa menos identificação com a agenda caracteristicamente petista, pois muda relevantemente a identidade do próprio governo. Compreende-se, portanto, a indefinição do presidente Lula.

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Acomodação de placas

O realinhamento político em 2021 é visto como um movimento importante na política brasileira.

O mês de julho teve marcas positivas importantes para o governo: a primeira votação vitoriosa do texto base da reforma tributária, o “upgrade” dado pela FITCH para o risco soberano do país e o início do ciclo de baixa na política monetária ocorrido, em verdade, já nos primeiros dois dias de agosto.

Nos três temas, são excelentes começos, mas apenas os primeiros movimentos de caminhadas que podem ser longas e difíceis. De toda forma, esse conjunto proporciona um belo encerramento para o período de “aterrissagem” do novo governo, aí consideradas todas as acomodações de placas tectônicas, inclusive as equações políticas e modus operandi da nova administração. A segunda metade desta nova presidência começa a seguir, e necessariamente há de revelar a verdadeira índole econômica desse governo.

Há um longo caminho a trilhar com o texto da reforma tributária, que ainda vai para o Senado e só depois é que uma lei complementar trará sua calibragem, e no contexto de regimes de transição da cinco anos (para a extinção definitiva dos impostos sendo “reformados” – PIS-COFINS, IPI, ICMS, ISS) e de 50 anos para o regime de incidência do IVA estadual – IBS – da origem para o destino.

Tudo considerado, é uma reforma de efeitos para o longo prazo e de tramitação especialmente longa, mesmo levando em conta o que se passou com outras reformas de complexidade comparável, como a da Previdência, que teve vários capítulos ao longo de muito tempo, inclusive atravessando vários governos.

O “upgrade” na classificação do risco soberano brasileiro não era de todo inesperado. A FITCH estava defasada relativamente à MOODY’S e à S & P, a primeira já com Ba1 e a segunda com BB e outlook positivo, todas convergindo para um degrau abaixo do grau de investimento. Os spreads de risco soberano nos derivativos de “default” (CDS) já estiveram na região consistente com o “upgrade” para o grau de investimento, mas já ajustaram para um degrau mais abaixo: o CDS brasileiro para cinco anos negociou em julho na faixa de 170 bps.

Mas o movimento das agências não acompanha o do spread no mesmo ritmo, ainda mais quando se trata dessa importante mudança de patamar. Mesmo que o grau de investimento seja algo como uma nota cinco numa escala de zero a dez para a nota de crédito – portanto, uma nota medíocre –, é um limiar importante, e tomado como suficiente para os títulos do país perderem a designação de “grau especulativo”. É como passar de ano, ainda que raspando, ou progredir para a série A. Será um marco importante a alcançar, e um objetivo a perseguir para a política econômica do país.

As agências devem fazer uma pausa grave após atingirem o grau de investimento menos um degrau (Ba1, BB+ e BB+, respectivamente para MOODY’S, S& P e FITCH) a fim da aguardar o que a política econômica trará depois de terminada essa acomodação inicial de placas tectônicas, uma imagem eloquente para os primeiros 7 meses da terceira presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. A democracia venceu, as eleições tiveram seus resultados honrados, o Executivo e o Parlamento estão em plena atividade e as ideias econômicas heterodoxas não acharam espaço no governo, ao menos por ora.

Resta ver qual será a efetiva configuração da política econômica da atual presidência. Afinal, a economia não esteve entre os grandes debates no decorrer do processo eleitoral. Em consequência, o programa econômico deste governo tem sido montado em pleno voo, e por ministros que não imaginavam estar nas cadeiras que hoje ocupam.

É claro que havia e continua a haver muito espaço para improviso e voluntarismo, bem como para a influência corporativa das “máquinas”. São grandes esses perigos, basta lembrar da Nova República.

Entretanto, também é verdade que houve um aperfeiçoamento institucional muito relevante, no âmbito fiscal e monetário, incremental e através de grandes reformas, dos quais resultou um país cuja política econômica é muito mais protegida de aventuras heterodoxas.

No plano fiscal, o destaque cabe à LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) tanto pela lei em si, como pela cultura que introduziu na administração pública brasileira nos últimos anos. Cultura que se materializou em normas limitadoras e na orientação e intervenção cotidiana dos tribunais de contas pelo país.

Adicione-se a isso o trauma decorrente do impeachment de Dilma Rousseff, causado por “pedaladas fiscais” e aberta irresponsabilidade fiscal com desastrosas consequências macroeconômicas. Por mais que o presidente se esforce para prestigiar Dilma Rousseff, inclusive se referindo ao impeachment como “golpe” e antagonizando Michel Temer, é grande a cautela para não repetir as políticas tresloucadas no Tesouro Nacional que estão na base do fracasso político e administrativo que foi a presidência Dilma Rousseff.

Mas a principal salvaguarda destinada a proteger o país de experimentações heterodoxas é de ordem monetária e reside na autonomia do BCB (Banco Central do Brasil).

É compreensível o esperneio do presidente da República quanto à perda de poder que esse arranjo de fato representa. É claro que o presidente democraticamente eleito possui, em tese, toda a legitimidade do mundo para fazer tudo errado na economia, seja no Tesouro ou no Banco Central.

Mas é melhor que acerte.

A despeito das queixas, entretanto, parece claro que a autonomia do BCB teve papel fundamental para permitir uma transição política bem-sucedida, ainda que sob imensas tensões políticas.

Independente da reclamação, às vezes mirabolante, espalhafatosa e de motivação marqueteira, sobre a dosagem da política monetária, há pouca dúvida que a sistemática de autonomia do BCB – vale dizer, especificamente, a não coincidência entre os mandatos dos dirigentes do BCB e do presidente da República, estabelecida pela Lei Complementar 179/21 – foi aprovada com louvor e não será alterada.

A contrariedade presidencial é do jogo, mas muito mais importante que o esperneio é a aceitação das regras do jogo, mesmo quando não são do seu agrado. Assim é a democracia.

O presidente da República, afinal, escolheu e nomeou os dois dirigentes do BCB que lhe cabia na forma da nova regra: Gabriel Muricca Galipolo e Ailton de Aquino Santos foram nomeados em 12/07/2023, respectivamente para as diretorias de política monetária (DIPOM) e de fiscalização (DIFIS).

Ambos tiveram sua primeira reunião do COPOM nos primeiros dias de agosto, quando o BCB deu início ao ciclo de baixa na taxa SELIC, com uma redução de 50 bps. A 256ª. reunião teve votação apertada. Na verdade, foi a primeira vez que se observou um placar de 5 a 4 desde que foi criado o COPOM em 1996[1].

Segundo o comunicado ao término da reunião, votaram por uma redução de 0,50% os seguintes membros do Comitê: Roberto Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Gabriel Muricca Galípolo e Otávio Ribeiro Damaso. Votaram por uma redução de 0,25% os seguintes membros: Diogo Guillen, Fernanda Guardado, Maurício Costa de Moura e Renato Dias de Brito Gomes. 

O noticiário deu grande destaque ao fato de que o voto de Roberto Campos Neto “desempatou” a disputa, pois se ele tivesse votado com o grupo mais hawkish, a redução de 0,25% teria vencido. Mas o mesmo pode ser dito sobre o voto dos dois novos diretores, ambos para a opção mais dovish. Uma nova dinâmica se estabelece no COPOM com a presença de uma “Bancada” mais “branda”, “governista”, ou dovish.

Essa divergência não deverá aflorar nas primeiras rodadas de redução, mas certamente virá logo adiante, quando a SELIC se aproximar da chamada “taxa neutra”, que não se sabe exatamente qual é.

Antes da decisão anunciada no dia 2/8, o Boletim FOCUS prognosticava a SELIC para o fim do ano de 2023 em 12%, portanto, previa 1,75% de queda para ter lugar em quatro reuniões. Depois de 0,5% de redução nessa reunião, e de um comunicado que parece indicar que esse ritmo será mantido, a expectativa para o fim do ano deverá se ajustar.

É também de se refletir sobre até que nível vai descer a SELIC, uma conversa que leva diretamente à estimação da chamada “taxa neutra”, a próxima polêmica da política monetária, a se mostrar mais aguda, provavelmente quando a SELIC cair abaixo de 10%.

Reforma tributária

O ciclo de queda nos juros serve para assinalar, como observado acima, o início de uma segunda fase desta presidência, cujo desenrolar, ao menos no tocante ao Legislativo, terá muito que ver com o rescaldo de alguns dos assuntos desses primeiros meses, em especial com o andamento da reforma tributária, o assunto mais falado no mês de julho.

Será natural que esse tema volte a movimentar o Parlamento, na medida, inclusive, que passa a envolver o Senado.

A reforma tributária é a última das reformas ditas de primeira geração, ou seja, aquelas que fizeram parte do chamado Consenso de Washington. Talvez a penúltima, eis que a abertura continua pendente e encrencada, nem mesmo o acordo comercial Mercosul-União Europeia se consegue encerrar.

Note-se, ademais, que esta reforma tributária trata apenas dos impostos sobre o consumo, e que se espera que venha muita coisa pertinente a outros impostos.

O fato é que as dificuldades foram tão grandes durante todos esses anos, e mormente em razão de tensões federativas, que há um enorme incentivo para que os políticos declarem vitória neste assunto e se movam para outros temas.

O ministro Haddad indicou interesse em esticar o assunto para chegar nos impostos diretos, para os quais provavelmente vai abraçar alguns dos dispositivos do pacote enviado por Paulo Guedes à Câmara, onde chegou a ser aprovado antes de estacionar no Senado. A tributação de dividendos e o fim dos JCP (juros sobre capital próprio) são os temas mais prováveis de serem retomados, especialmente em vista do viés progressista que o ministro tenciona adotar nesses esforços.

Na mesma toada, a tributação de recursos offshore e fundos exclusivos já está no ar, tudo indicando que o governo prepara um pacote tributário de índole arrecadadora e alegadamente progressista no segundo semestre. É claro que essa expectativa não contribui para o ânimo empresarial, e pode desperdiçar boa parte da energia positiva gerada pela reforma dos impostos sobre consumo. Esse pacote do segundo semestre já parece se esgueirar das conversas sobre a reforma tributária, da qual consta, inclusive, um prazo determinado para que o governo a envie ao Congresso, e mesmo algumas ideias de índole populista para impostos sobre propriedade (IPTU, ITDMA e IPVA).

A reforma dos impostos sobre o consumo, entretanto, em vista de sua evidente complexidade e abundância de detalhes críticos, pode complicar o calendário, entrar pelo segundo semestre, e prejudicar a sequência pretendida pelo ministro. Trata-se de um cenário provável tendo em vista o histórico de dificuldade técnica e política da reforma tributária, tema que teimou em permanecer incompleto e inconclusivo por muitos anos.

Senão vejamos.

A reforma atualmente em discussão consiste em consolidar todos os impostos sobre o consumo, que incidem sobre faturamento e valor adicionado, e que pertencem às três esferas da federação, cada qual com suas regras. Três novos tributos são criados: (i) um IBS (imposto sobre bens e serviços) para os estados e municípios, reunindo o ICMS e o ISS; (ii) uma CBS (contribuição sobre bens e serviços), federal, sem partilha e que reúne PIS-COFINS e IPI; e (iii) um imposto seletivo federal, sem partilha, de índole arrecadatória, para incidir sobre bens como bebidas e tabaco, papel que hoje cabe ao IPI.

Os ganhos da reforma advêm principalmente da eliminação do efeito cascata nesses impostos, todos passando a contar com fórmulas de creditamento: (i) os impostos federais sobre faturamento todos se tornariam impostos sobre valor adicionado, no âmbito da CBS, com isso admitindo um creditamento mais extenso do que hoje existe para os regimes não cumulativos de PIS-COFINS; e (ii) a unificação e simplificação do ICMS, ou dos 27 regulamentos de ICMS dos estados, em um único sistema, com as mesmas regras de creditamento, base de cálculo e hipóteses de incidência, inclusive a convergência para a cobrança no destino (se bem que ao longo de 50 anos).

É claro que é discutível se essa movimentação resulta em simplificação, quando o movimento inicial envolve um acréscimo de complexidade. Tem havido muito debate sobre o assunto, e uma multiplicidade de outros temas ficou para o terreno dos ajustes, com destaque para o tratamento de incentivos fiscais e a constituição de fundos de ressarcimento para perdas. A própria fixação de alíquotas ficou para depois, uma vez que se pretende que não haja elevação da carga tributária resultante da reforma, uma conta nada fácil, mas que já se sabe que dependerá dos tratamentos setoriais específicos em discussão, e se definirá em alguma instância administrativa, provavelmente um conselho criado para este fim.

Nada parece consumir mais energia política do que as encrencas federativas, de modo que tudo o que se pode prognosticar sobre o andamento desse assunto é que vai se prolongar além do esperado e com desgastes maiores do que pensa. Nenhum governo foi tão longe quanto este nesse assunto, só resta saber se isto será bom ou ruim. Será bom se terminar bem e rápido, o que parece ser a aposta do governo. Entretanto, pode ser ruim se não terminar, e se o assunto continuar a mobilizar o Parlamento durante muito tempo – nesse caso, dificultando as ações de governo em outras áreas.

Passado o recesso parlamentar, o segundo semestre de trabalho do Congresso terá um contexto diferente, será “um segundo momento” para a política econômica, pós aterrissagem, quando serão menos adaptações e continuações de temas antigos, mas as verdadeiras cartas desta administração. Os juros americanos não estarão mais subindo, e os do Brasil deverão estar em queda, um horizonte de aspecto benfazejo. Julho termina bem, no final do dia 2 de agosto, e uma nova etapa parece ter início. A grande pergunta, e o grande risco passa a ser: o que vai haver de realmente novo na economia na presidência Lula 3?


[1] Para um levantamento dos “placares” anteriores de votações no COPOM, e uma discussão sobre a existência de bancadas no BC ver Franco & Mercadante “Voto divergente no COPOM: uma nota”. Disponível em https://www.riobravo.com.br/voto-divergente-no-copom-uma-nota-2/. Acesso em 4 ago. 2023.

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Podcast 712 – Cecília Oliveira: Ideias em confronto: uma outra história da independência  

“Ideias em confronto”, livro de Cecília Helena de Salles Oliveira, revisita um tema que tem sido alvo de grande debate em 2022, e não, não estamos falando das eleições gerais de outubro. Antes, trata-se da Independência, que neste ano completa o seu bicentenário. Na entrevista que concede ao nosso podcast, Cecília Helena, que é professora no Museu Paulista na Universidade de São Paulo, resgata as origens desse acontecimento histórico; analisa como a nossa obsessão por determinadas imagens daquele período pode fazer perder de vista o plano mais amplo e necessário da independência e destaca como esse evento interfere no modo como nós pensamos a nossa história e fazemos política. É o que vocês, ouvintes, têm à disposição no episódio que começa logo a seguir.