Artigos

Nem nem

O grande evento do mês de março de 2024 não foi uma vírgula, mas foi perto. Foi um plural no comunicado do COPOM.

Mais precisamente o modo como o COPOM enuncia o que se conhece no idioma dos especialistas como forward guidance: o comitê antevê uma redução na Selic semelhante “na próxima” reunião, e não mais nas próximas, como nos comunicados anteriores.

Mensagem do COPOM

O plural do COPOM faz toda a diferença. E a mensagem parece clara: está chegando a hora de parar de reduzir os juros, ou de reduzir o ritmo de queda. Provavelmente não na próxima, nos dias 7 e 8 de maio (quando se espera mais uma redução de 0,5% na Selic, para 10,15%), mas na seguinte.

O comitê cogitou expressamente “um ritmo mais lento de distensão monetária” na direção do que designou como “taxa terminal”, aquela que vai encerrar esse ciclo de baixa.

A taxa terminal deveria estar próxima da “taxa neutra”, aquela que não é nem contracionista nem expansionista.

Não deve haver dúvida: o mês de março de 2024 testemunhou uma calmaria imensa, uma falta de assunto gritante, como se pode ver pelo debate sobre a gramática das atas do COPOM. A monotonia também é perceptível quando as atenções se voltam para os bancos centrais do exterior, especialmente os de segunda linha.

Em março, o mercado teria se impressionado com a ousadia do banco central da Suíça, que teria acelerado cortes já programados em sua taxa de juros. Também o do México teria sido ousado nos cortes, em decisões que não foram unânimes. A inflação estaria mais bem-comportada do que se esperava, na Suíça como no México, bem como no Peru e na Colômbia.

Talvez seja falta de assunto mesmo.

Ou seria uma indicação de que a nossa vizinhança, com as incontornáveis exceções da Argentina e da Venezuela, estaria adquirindo um aspecto mais asiático? Seria indicação de isolamento futuro no Brasil com juros reais muito elevados e inflação muito baixa?

Nada contra a monotonia, inclusive, quando se lembra que março de 2024 é o mês que assinala o 30º aniversário do lançamento da URV (unidade real de valor) que dava início à reforma monetária que ficaria conhecida como o Plano Real. Viemos de muito longe, quando a inflação era de 30% ao mês ou mais.

A calmaria vem com indicadores de atividade que não são especialmente bons. Mas não são ruins. Os adjetivos se alternam nas avaliações sobre o mercado de trabalho no Brasil. Afinal, a política macro deste governo de fato não possui coloração muito definida, ao menos por ora. A monetária é mais para ortodoxa, por conta da autonomia do Banco Central e das metas para a inflação. Mas a fiscal não é bem heterodoxa, tampouco a soma das duas.

Talvez seja a véspera de um embate que é clássico em governos populistas: tight money, loose fiscal. Para o contexto brasileiro, esse tipo de tensão teria um componente institucional mais sensível, pois, afinal, é a primeira presidência da República com um Banco Central tripulado por nomeados pelo presidente anterior. Um processo de crowding out pode ser mais tenso do que o habitual, sobretudo a partir do segundo semestre de 2024, por conta da definição do substituto de Roberto Campos Neto

A economia não foi um tema na eleição, nem fez parte dos grandes debates políticos nos últimos tempos, como se sabe. A índole da política econômica na terceira presidência Lula permanece em processo de definição. Nem é uma política (fiscal) ortodoxa, a despeito das intenções declaradas, nem heterodoxa. Ao menos por ora. Nem gastança, nem austeridade. Não há propriamente superávit, nem déficit. Há intenções, hesitações e diferenças de opinião, mas só saberemos qual é a política fiscal ao final do exercício, feitas as contas do resultado. E não será um resultado planejado, mas o produto de forças contraditórias.

Não é bem o Congresso que pressiona na direção do keynesianismo, como no passado. O Congresso disputa recursos para suas emendas paroquiais, ou seja, almeja parcela maior sobre o total de gastos para alimentar gastos nas suas bases, cuja escala não é propriamente juscelinista. Não se trata propriamente de uma demanda por grandes obras com efeitos muito significativos sobre o aspecto geral da política fiscal. Nesse contexto, o Congresso não tem sido dominante, nem submisso no tocante à política fiscal.

É bem possível que fique assim, nem bom nem ruim, a véspera de alguma coisa, por muito tempo ainda. O aggiornamento, ou a perestroika, da política econômica lulista ainda está para acontecer.

Por: Gustavo Franco, Senior Advisor da Rio Bravo

Conheça a Rio Bravo Investimentos

Aqui na Rio Bravo você pode ter acesso os mais variados conteúdos e serviços disponíveis. Acesse a Órbita e nosso canal no Youtube e fique por dentro dos nossos conteúdos! Além disso, você pode conhecer e acompanhar os nossos principais produtos, em dados e análisesinforme de rendimentos entre outros assuntos voltados para investimentos e finançasEntre em contato!

Vídeo destaque

Como se faz um Plano Diretor | Nabil Bonduki no #VideocastRioBravo

A nova temporada do Videocast Rio Bravo traz um tema incontornável para a segunda década do século XXI. Em Cidade Aberta, a proposta é discutir os desafios e as oportunidades das cidades nas mais variadas frentes (mobilidade, inclusão, sustentabilidade, segurança pública, memória e investimentos).

O segundo episódio de nossa série traz Nabil Bonduki, arquiteto, urbanista, professor e político. Bonduki está associado ao planejamento urbano não somente porque é pesquisador do tema, mas, também, porque foi o relator do Plano Diretor de 2014. A propósito, uma das perguntas do #videocast é exatamente esta: será que Bonduki ficou satisfeito com a revisão do Plano Diretor levada adiante em 2023?

No videocast, além de apresentar os desafios do planejamento da cidade em diferentes áreas (como diversidade e meio ambiente), Bonduki ressalta a importância da política para a construção de uma cidade menos desigual.

Nas palavras do urbanista: “Eu sempre digo que um dos objetivos do Plano Diretor é reduzir as desigualdades da cidade. Por exemplo, se cada núcleo em torno de cada estação de metrô for uma área qualificada, nós estaremos qualificando aquela área para os moradores que estão lá e também para outros moradores que vão poder chegar naquelas regiões e vão ter interesse em morar ali. De quebra, teremos núcleos urbanos mais qualificados e diversos”.

Confira a íntegra da entrevista com o urbanista Nabil Bonduki, relator do Plano Diretor 2014, ao Videocast Rio Bravo.

Vídeocast Rio Bravo Investimentos

Aqui na Rio Bravo você tem acesso aos mais variados conteúdos e serviços disponíveis. Acesse a Órbita e nosso canal no Youtube e fique por dentro de todos os nossos conteúdos! Além disso, você pode conhecer e acompanhar o desempenho do mercado e dos nossos fundos, em dados e análisesinforme de rendimentos entre outros assuntos voltados para investimentos e finançasEntre em contato!

Artigos

Balões e escolhas

No mês do Carnaval, o noticiário econômico costuma ser magro, sem maiores novidades.

No mês do Carnaval, o noticiário econômico costuma ser magro, ressalvado o primeiro ano de governo, quando a troca da guarda ocupa todas as atenções. Fevereiro de Lula3, ano 2, conforme se esperava, foi vazio de conteúdo, ainda que não sejam interrompidas as divulgações de indicadores, bem como as atividades das Autoridades Monetárias pelo mundo.

Tal como o Corpo de Bombeiros, os BCs permanecem vigilantes e fiéis às suas rotinas nesses períodos de calmaria, quando os analistas, em geral, se debruçam sobre a “comunicação”, e menos sobre as “ações” das autoridades.

Nesses momentos, as autoridades amiúde se entregam a dissertações, que funcionam como sondagens, os chamados “balões de ensaio”. São as ideias atiradas ao colegiado da opinião pública especializada para verificar suas potencialidades.

Conforme o manual de redação de um grande jornal paulista, a expressão designa a informação “propositalmente vazada a fim de verificar de antemão possíveis efeitos de uma determinada medida”.

Havendo “certeza” de que se trata de “balão de ensaio”, continua o manual, o jornal “explica para o leitor”. Mas não deixa de publicar. Portanto, a cogitação, tornada pública, é notícia, e não “fake news”. São medidas “em estudo”, como se fala em Brasília. A maior parte não conhecerá a luz do dia. Mas o mero estudo já é assunto de manchetes e de especulação.

Os balões são como um mercado de opções sobre o que vai ser

A baloagem é muito praticada em fevereiro, quando o céu de Brasília fica parecido com o da Capadócia, coberto de balões de todas as cores e formatos.

Uma poderosa indicação desse estado de coisas foi o tempo dedicado, em fevereiro, ao debate sobre as declarações do presidente da República sobre o conflito no Oriente Médio. O problema aí foi que esses balões ocuparam quase todo o espaço celeste, de tal sorte que quase não se deu atenção às autoridades econômicas, mesmo considerando que ambas fizeram aparições nas reuniões do G20 destinadas a ministros da Fazenda e presidentes de banco centrais.

Roberto Campos Neto fez sua fala em inglês, portanto, sem mirar o público doméstico não especializado. O Banco Central do Brasil (BCB) não trabalha com balões fora dos documentos do COPOM, e em fevereiro não houve reunião.

Haddad está em outro território. Na abertura da reunião de ministros do G20, com discurso ensaiado, lido e proferido em português, o ministro da Fazenda falou em “globalização inclusiva” e em “fazer com que os bilionários do mundo paguem, sua justa contribuição e impostos”. Tudo pronto para o “Jornal Nacional”.

Desafio nada trivial

O ministro tem diante de si um desafio nada trivial, no plano doméstico, na forma de uma pergunta simples: qual a índole, ou plano econômico, desse governo?

Essa pergunta virá para o começo da fila uma vez terminado o Carnaval, e iniciado oficialmente o segundo ano dessa presidência, e com a natural perda de novidade e densidade do noticiário sobre o golpe (os eventos de 8 de janeiro).

O que vai se passar com a economia?

O anúncio da nova política industrial em janeiro não foi exatamente uma lufada de ar fresco. Foi, ao invés, uma demonstração das possibilidades da reciclagem. Muito mais uma fórmula (inofensiva) para acalmar os setores heterodoxos mais radicais encastelados no BNDES do que uma nova iniciativa em torno do qual o governo depositará suas esperanças para a economia.

Quando assumiu o ministério, frequentemente descrito como “o pior emprego do mundo”, Haddad definiu duas prioridades: o arcabouço fiscal e a reforma tributária.

O arcabouço foi a aprovado, mas sua decorrência, a meta de déficit zero, não tanto. Consta dos planos governamentais, mas o próprio presidente Lula afirmou que muda se precisar mudar, se a meta for “irreal”: “Se der para fazer superavit zero, ótimo. Se não der, ótimo também. Aqui no Brasil, de vez em quando, se inventa umas histórias, umas manchetes babacas, sabe?”, disse Lula em entrevista à Rádio Itatiaia durante visita a Minas Gerais conforme publicado em 8 de fevereiro[1].

É curiosa, e meio tola, a conversa sobre o irrealismo dessa meta fiscal. Como a que tem lugar, com mais frequência, sobre a meta de inflação.

Não faz muito tempo o ministro provocou certo alarido sobre um novo sistema de definição das metas para a inflação fixadas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) usando “metas contínuas”. Era um balão que deu em nada. Desde junho do ano passado, quando o assunto surgiu, nada foi feito para alterar o sistema que então funcionava e permanece prestando bons serviços ao país.

Não é simples definir metas, para a inflação, fiscais ou para a equipe olímpica do Brasil. Imagine o leitor se as autoridades olímpicas brasileiras decidissem que as equipes não devem mais mirar no recorde mundial, posto que impossível, supostamente, mas mirar no recorde sul-americano. É muito provável que, com essa meta menos exigente, não se consiga nem mesmo o recorde do clube.

Tudo considerado, os resultados fiscais serão acompanhados mês a mês, ao longo dos quais será possível verificar se os índices fiscais estão progredindo, ou se a complacência vai se estabelecer.

Mais para frente, no decorrer de 2024, ficará mais claro se vamos na direção da meta ou do recorde do clube.

Será uma batalha difícil, ainda mais se tomarmos em conta que a bandeira da responsabilidade fiscal nunca foi exatamente uma pauta petista.

Toda vitória é santa

A segunda prioridade do ministro Haddad foi a reforma tributária.

Foi uma escolha arriscada, da qual o ministro, inclusive, pode ter pensado em se afastar, em vista da complexidade do assunto e dos obstáculos que encontrou. Os assuntos federativos são sempre os mais difíceis em Brasília.

Mas o governo teve sucesso até agora, votou e aprovou um texto base e mesmo sem ter ainda as leis complementares regulamentadoras, pode declarar vitória e contabilizar os pontos correspondentes. Nelson Rodrigues ensina: toda vitória é santa, ainda que por meio a zero.

Curioso, no entanto, é que a pauta de “melhoria no ambiente de negócios”, na qual a reforma tributária foi sempre um item entre os mais importantes, nunca foi abraçada pelo petismo. Ao contrário, desde sempre, a postura foi de hostilidade ao chamado “Consenso de Washington” e todas as suas variantes.

Foi a partir do Plano Real, que completa 30 anos de seu início em 28 de fevereiro, que as reformas que compõem esse cardápio, que não é bem de Washington, mas de qualquer lugar onde a matemática faz sentido, penetraram no terreno microeconômico. Com isso se reconhecia a conexão entre ambiente de negócios, produtividade e desenvolvimento econômico.

A palavra “reforma” entrou para o vocabulário do progresso como o conceito chave para a conversa sobre desenvolvimento econômico. Paradoxalmente, contudo, o PT foi historicamente contra as reformas..

Num momento de convergência e pacificação, é mais do que bem-vindo que o governo assuma a reforma tributária como de seu interesse. Os partidos de esquerda, ou meio de esquerda, geralmente ficam meio na dúvida sobre as pautas de aperfeiçoamento do capitalismo.

Lula e o PT encontraram uma fórmula interessante de enfrentar essas ambiguidades com pragmatismo: a divisão de trabalho.

O partido será sempre do contra, e terá restrições à Constituição, à estabilidade (ao Plano Real), à Responsabilidade Fiscal (LRF), às reformas, à medicina convencional nos assuntos de economia, e a tudo que não for da sua lavra. É seu papel.

Mas o presidente poderá divergir do partido, o que será sempre saudado como um gesto de grandeza e pragmatismo. Cabe ao presidente da República, em face do que pode parecer um excesso de pragmatismo, zelar para cultivar sua identidade de esquerda, para a qual a polarização com Bolsonaro acaba ajudando (ainda que não envolva temas econômicos).

A exceção a essa “divisão” de funções foi a presidência Dilma Rousseff, quando as ideias econômicas heterodoxas do PT foram para o Diário Oficial. Foi o “momento antivax” da política econômica, com os resultados desastrosos que se conhece.

A experiência da Nova Matriz se tornou uma espécie de trauma, pois oferecia uma confirmação de que loucuras não existem apenas no espaço dos balões. As chances de adoção de ideias erradas não eram desprezíveis, tanto que foram praticadas. Essa premissa serve para ressaltar o quanto é difícil a tarefa do ministro Haddad, o encarregado de encarnar e operacionalizar o “pragmatismo” do presidente.

Em sua fala no G20 e ao lançar seus balões para o restante do ano o ministro falou muito de impostos, e mirou nos super-ricos. Nada mais woke que um ministro da Fazenda falar, em um foro internacional, de justiça tributária e de impostos globais desafiando a realidade dos paraísos fiscais. Muito próprio para o ambiente do G20, mas será realista? Na verdade, nem mesmo um comunicado conjunto esse grupo conseguiu redigir.

Os balões endereçados ao público doméstico, sobretudo em Brasília, falam em uma reforma tributária “da renda e do patrimônio” como se fossem “novas etapas” da reforma tributária, cujo centro conceitual, não vamos esquecer, era a confusão de impostos de consumo dos entes federativos.

A elevação dos impostos diretos (de renda e de patrimônio) não é bem uma pauta de melhoria de ambiente de negócios, mas uma pauta da esquerda. A justificativa seria a realidade de desigualdade, somando-se às iniquidades da tributação direta no Brasil.

A receptividade para essas ideias não será a mesma da reforma tributária dos impostos de consumo. Reforma tributária e política fiscal são coisas diferentes.

O ministro Haddad se comprometeu a entregar um déficit zero. Terá que responder a uma pergunta que antecede qualquer outra de natureza tributária: por que não reduzir despesa?

A segunda pergunta sobre se o ministro (o governo) quer mesmo aumentar os impostos, tem sido respondida com um drible meio tosco: o ministro fala em “corrigir distorções”.

Não há nada de errado em um governo de esquerda legitimamente eleito escolher resolver o problema fiscal brasileiro aumentando os impostos e não reduzindo o gasto público e o tamanho do Estado. É uma escolha. Ou talvez, ainda um balão, aguardando os sabores do vento.


[1] https://www.poder360.com.br/economia/se-nao-der-para-cumprir-o-deficit-zero-otimo-tambem-diz-lula.

Conheça a Rio Bravo Investimentos

Aqui na Rio Bravo você pode ter acesso os mais variados conteúdos e serviços disponíveis. Acesse a Órbita e nosso canal no Youtube e fique por dentro dos nossos conteúdos! Além disso, você pode conhecer e acompanhar os nossos principais produtos, em dados e análisesinforme de rendimentos entre outros assuntos voltados para investimentos e finançasEntre em contato!

Artigos

O mês de Janeiro 2024 – O ano que ainda não começou

No mês do Carnaval, o noticiário econômico costuma ser magro, sem maiores novidades.

O mês de janeiro costuma ser magro em notícias na economia, ressalvados os anos de mudança de governo, como foi o caso de 2023, ano especialmente complexo nesse quesito.

Dessa vez, contudo, a monotonia é absoluta. O recesso parlamentar não será atrapalhado por notícia velha ou por medidas pirotécnicas.

Mais ou menos nessas duas categorias, se encaixam:

  • a Medida Provisória 1.202/2023 de reoneração da folha de pagamentos, assunto considerado já resolvido pelo CongressoG e no qual a insistência do governo parece um gesto teatral com o fito de acalmar suas tropas;
  • e a dita nova política industrial, também dando a impressão de ser destinada a agradar o acampamento de patriotas aglutinados ao redor do BNDES.

Não foi simples para a imprensa interromper as férias de algumas lideranças parlamentares para obter indicações de contrariedade com o Executivo com a MP 1202.

Parecia meio óbvia a irritação e a mensagem de que o assunto não vai a lugar algum. O tema já foi objeto de derrubada de veto presidencial, a fixação no assunto é mais teatral do que real.  

Nova Indústria Brasil

O programa atingiu seu objetivo de ocupar boa parte do noticiário ao longo do mês, uma demonstração eloquente e inequívoca da profunda falta de assunto nesse mês de janeiro e começo de 2024. Há pouquíssima novidade no programa, dito de 300 bilhões, mas que, na sua quase totalidade, diz respeito a recursos que já seriam desembolsados pelo BNDES e pela FINEP.

Grosso modo, como 90% do programa já ia acontecer e outros 10% era uma coleção de pequenas novidades não muito polêmicas, na média, o Nova Indústria Brasil é simplesmente pouco relevante. A dúvida é sobre o imenso destaque dado ao anúncio pela comunicação governamental.

Parece muito clara a intenção de prestigiar Aloisio Mercadante e Geraldo Alckimin, bem como os patriotas ali acantonados esperando um chamamento que provavelmente não ocorrerá. A economia política interna do PT é reconhecidamente complexa, de tal sorte que esses gestos cenográficos têm mais importância do que se supõe.

 A ideia de “neoindustrialização”, o que quer que seja, conta com defensores aguerridos tanto na administração pública quanto no setor privado. Esse tipo de anúncio oferece um palanque e um momento de glória a esse grupo, cujo apogeu se deu com as falas de Mercadante e sua repercussão nas redes sociais.

A surpresa do grupo adveio da péssima repercussão do anúncio para o público em geral, especialmente no jornalismo econômico. É mais uma área em que tudo se transformou, aos olhos dos governistas, relativamente à última vez que o PT esteve no poder. As críticas vieram não apenas do terreno fiscal (de onde vem esse dinheiro?) como também sobre a natureza do programa (por que desse jeito e para esses fins?).

O ministro Mercadante elevou o tom em suas respostas, não saiu bem na foto e mais longe acabou ficando de Brasília.

Concretamente, não há medidas realmente importantes, nem grandes despesas. As confrontações ideológicas e debates estão todas no terreno da retórica e acerca do que o ministro falou sobre a indústria naval, entre outras minudências. Nada realmente relevante a interferir com os andamentos da macroeconomia.

Na verdade, é menos um programa que um estudo de intuito marqueteiro sobre o que já se faz em causas nobres e temas da moda. Tudo, no novo programa, serve à produtividade, à inovação e à sustentabilidade, e os seus seis eixos vão um tanto além da indústria: (i) cadeias agro; (ii) saúde (iii) cidades; (iv) transformação digital; (v) descarbonização e (vi) defesa.

Como se opor a algo tão bem-intencionado?

Houve muita solenidade no anúncio, como se fora algo realmente importante, apenas com a ressalva de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não estava presente, tampouco pronunciou qualquer palavra em apoio ao colega presidente do BNDES.

Não é que o programa seja irrelevante, tais desígnios são nobres demais para essa qualificação. O adjetivo talvez mais próprio é “inofensivo” e seu propósito é assegurar a paz social dentro do PT, nada além.

Balanços de fim de ano

O mês de janeiro costuma ser pobre também na apresentação de dados da economia, uma vez que boa parte das divulgações sobre o ano fechado que acabou de terminar é antecipada e discutida em dezembro, com os balanços de fim de ano.

A exceção a essa regra foi a publicação dos dados sobre o déficit primário para 2023, notícia meio velha, já que não houve bem uma surpresa: 230 bilhões (2,1% do PIB), divulgado junto com a observação pela qual cerca de 90 bilhões dizem respeito ao “meteoro” dos precatórios, conforme a expressão já consagrada do ex-ministro Paulo Guedes.

O número não é bom, e a forma do anúncio foi sestrosa, buscando navegar na ideia, popular em Brasília, que precatório é uma despesa “de segunda classe”. Ou ao menos, uma despesa que não pode ser alterada pelas ações da equipe ora no exercício dos cargos da economia. É como tentar argumentar que uma parte importante do resultado tem a ver com os governos do passado, o que é verdade, mas não é tão importante.

Entretanto, muita gente entende que precatório é como dívida pública, sobre a qual não poderia nem deveria haver contingenciamento, atraso, reestruturação, essas coisas. Não foi o que ocorreu, é verdade. O “calote do calote” foi, de fato, coisa da administração anterior: através das emendas 113 e 114 de 2021. Em 2024, o ministro Haddad parecia apenas preocupado em livrar-se da responsabilidade pelo estouro nas contas.

O tom do anúncio revelou nuances importantes do panorama brasiliense. Haddad se acomoda mais fortemente na postura fiscalista, o Antonio Pallocci da terceira presidência Lula, posição para qual foi empurrado pelo próprio PT, em virtude da sua habitual combatividade, bem como pela extroversão de Mercadante e seu grupo.

Pode haver, inclusive, alguma flexibilização da meta fiscal de zerar o primário para 2024, mas isso não será visto como falta de empenho do ministro no tema da disciplina fiscal.

Na verdade, Haddad pretende introduzir medidas tributárias pesadas ao longo do ano, usando a expressão (consagrada em 2023) ‘reforma tributária’ para impulsionar o seu programa de tributação progressiva da renda e do patrimônio.

No decorrer do ano de 2024, o governo terá de decidir se abraça mais explicitamente um programa de aumento de impostos, aí incluindo a tributação de dividendos, novas regras para a JCP, imposto dobre a renda, herança e mesmo grandes fortunas.

O destino do ministro fica associado a um aumento de impostos, o que acaba gerando certa ambiguidade em seus apoios empresariais. O ideal seria vê-lo comprometido com alguma redução na despesa, o que talvez se observe no decorrer de 2024.

Política monetária: só em março

A reunião do COPOM se deu no mês de janeiro (31), com a queda na SELIC para 11,25%, sem qualquer resquício de surpresa. A política monetária voltará a ser assunto apenas em março e, mesmo assim, não se espera nenhuma novidade até meados do ano, com o gradual aumento do debate sobre os fatores que podem interferir no ritmo da queda de juros.

Por ora, após o mês de janeiro, nada indica que esse ritmo vá se alterar. O assunto da “taxa neutra”, ou da taxa terminal desse ciclo de baixa, ficará provavelmente para o segundo semestre. Teremos muitas avaliações pelas quais o IPCA, ou algum indicador de atividade, surpreendeu para cima ou para baixo, com implicações sobre o que o COPOM poderá fazer. Mas o debate sobre a taxa terminal será mais adiante, junto com a discussão sobre a escolha do sucessor, ou a antes impensável recondução, de Roberto Campos Neto no Banco Central.

Rio Bravo Investimentos

Aqui na Rio Bravo você pode ter acesso os mais variados conteúdos e serviços disponíveis. Acesse a Órbita e fique por dentro dos nossos conteúdos! Além disso, você pode conhecer e acompanhar os nossos principais produtos, em dados e análisesinforme de rendimentos, além do novo portal da Rio Bravo, entre outros assuntos voltados para investimentos e finançasEntre em contato!

Artigos

Lei nº 14.754/2023: A alavancagem dos Fundos Imobiliários e Fiagros

Lei nº 14.754 e suas implicações na alavancagem dos fundos imobiliários e fiagros

O final de 2023 foi marcado pela promulgação, em 13 de dezembro, da Lei nº 14.754, que introduziu alterações significativas na tributação dos fundos fechados e dos investimentos offshores e, ainda, a inclusão de novas regras a respeito do pagamento de rendimentos isentos de imposto de renda dos fundos imobiliários.

As dificuldades encontradas na Lei nº 14.754

Diante da complexidade da nova lei e dos impactos tributários nas atuais estruturas de investimentos, uma novidade, sem natureza tributária, não obteve o destaque merecido na mídia especializada e, aparentemente, passou desapercebida de boa parte do mercado. Tal novidade está prevista nas Disposições Finais da Lei, que, no seu artigo 42, alterou os artigos 7 e 12 da Lei nº 8.668/1993, que dispõe sobre a constituição e o regime tributário dos fundos de investimento imobiliário e dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro).

Com essa mudança, a Lei nº 8.668/1993 passou a prever expressamente a possibilidade dos fundos imobiliários e Fiagros, por meio de seus recursos e representados por suas instituições administradoras, (a) constituírem quaisquer ônus reais sobre os seus imóveis e (b) prestarem fiança, aval, aceite ou coobrigarem-se sob qualquer forma, desde que as referidas hipóteses sejam para garantir obrigações assumidas pelo próprio fundo ou por seus cotistas.

Vantagens da alteração legislativa

A alteração legislativa para autorizar a constituição e a prestação de garantias pelos fundos imobiliários e Fiagros é muito bem-vinda e aguardada pelo setor, pois vai possibilitar aos gestores maior acesso ao crédito para novos investimentos e até para reestruturações dos fundos e, consequentemente, maior liberdade para realizar operações estruturadas (CRI e CRA, por exemplo) com juros mais atrativos, buscando, assim, melhorar o retorno dos investimentos aos seus investidores.

Vale lembrar ainda que há interesse público na prestação de garantias no setor imobiliário, haja vista a própria Lei nº 9.514/1997, que dispõe sobre o Sistema Financeiro Imobiliário – SFI e instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, além de outros inúmeros projetos imobiliários, dos mais tradicionais aos mais estruturados, em que a outorga de garantia é essencial para obter linhas de crédito mais vantajosas.

É claro, no entanto, que a novidade não deve ser vista como uma sinalização para qualquer tipo de operação de financiamento apenas para melhorar no curto ou médio prazo o retorno dos investidores, de modo que a análise técnica do cenário atual do fundo e dos potenciais investimentosdeve ser realizada com a maior diligência possível pelos gestores, observando sempre a política de investimento de cada fundo e os melhores interesses dos cotistas.

Marco Legal das Garantias

Outros fatores que contribuem para o momento propício da alteração trazida pela Lei nº 14.754/2023 são a sanção do Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/2023) e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal com relação à constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial da alienação fiduciária previsto na Lei nº 9.514/1997. Embora possam parecer atos isolados as recentes alterações legislativas e as decisões do Poder Judiciário, tais atos, em conjunto, contribuem para a segurança jurídica dos mercados de capitais e financeiro e do segmento imobiliário, corroborando para o contínuo desenvolvimento e crescimento econômico do mercado brasileiro.

A despeito da novidade da prestação de garantidas pelos fundos imobiliários e Fiagros estar prevista na Lei nº 8.668/1993, ainda será necessário aguardar uma outra etapa para os administradores e gestores dos fundos a colocarem em prática. Essa etapa é a manifestação da Comissão de Valores Mobiliários, que deve alterar a norma vigente de fundos imobiliários e adaptar o futuro anexo normativo do Fiagro à Resolução CVM nº 175/2022, objeto da Consulta Pública SDM nº 03/23, para refletir expressamente a alteração da Lei nº 8.668/1993, e, ainda, detalhar o procedimento ou requisito de especificidade a ser observado pelos prestadores de serviço essenciais, como por exemplo, a aprovação da prestação de qualquer garantia em assembleia geral de cotistas.

Apesar da necessária manifestação da CVM, a prestação de garantias pelos fundos não é nenhuma novidade para a autarquia e o mercado financeiro. A possiblidade do administrador, em nome do fundo, prestar fiança, aval, aceite ou coobrigar-se sob qualquer outra forma é assunto sedimentado nos Fundos de Investimentos em Participações, vez que tal possibilidade foi autorizada por meio da Instrução CVM nº 535/2013 (revogada), alterando a então vigente Instrução CVM nº 391/2003 (revogada), desde que o regulamento do fundo estabelecesse a possiblidade de prestação de garantia e aprovação mediante maioria qualificada dos cotistas (conforme definido em regulamento) reunidos assembleia geral.

Além disso, vale ressaltar que os recentes normativos da CVM permitem a outorga de garantias nas operações de fundos de investimento, a exemplo dos fundos financeiros previstos na Resolução CVM nº 175/2022, trazendo como requisito, para os fundos distribuídos ao público em geral (artigo 86, §2º da parte geral da Resolução CVM n° 175/2022), a aprovação em assembleia e ampla divulgação dos riscos de tais garantias aos investidores.

Por Thales Paiva

Thales Paiva é Gerente Jurídico e Sócio da Rio Bravo Investimentos.

Conheça a Rio Bravo Investimentos

Aqui na Rio Bravo você pode ter acesso os mais variados conteúdos e serviços disponíveis. Acesse a Órbita e fique por dentro dos nossos conteúdos! Além disso, você pode conhecer e acompanhar os nossos principais produtos, em dados e análisesinforme de rendimentos entre outros assuntos voltados para investimentos e finançasEntre em contato!

Artigos

Retrospectiva 2023

2023 não começou muito calmo. Costuma ser assim quando a passagem de ano traz uma mudança de governo. Dessa vez foi bem complexa.

Em janeiro, no restrito plano da economia 2023, a dificuldade começava pela longa e elaborada costura para definir o novo ministério, urdida simultaneamente à aprovação de uma Emenda Constitucional de índole orçamentária (conhecida como “a PEC de Transição”), passando pelas arruaças golpistas de 8 de janeiro, o anúncio das “inconsistências” nas Americanas no dia 11 e culminando com o primeiro “pacote econômico” do ministro Fernando Haddad no dia 12.

A importância da economia 2023 para o novo governo se revela prontamente no novo desenho para o ministério, em cujo centro está o desfazimento do antigo ministério da Economia. O ministério antes ocupado por Paulo Guedes seria decomposto em seis outros: Trabalho (Luiz Marinho, da CUT), Previdência (Carlos Lupi, do PDT), Indústria e Comércio (Geraldo Alckmin, vice-presidente), Gestão (Ester Dweck, professora da UFRJ), Planejamento e Orçamento (Simone Tebet, senadora do PMDB) e Fazenda (Fernando Haddad).

Em virtude desse desenho, que é parecido com o de 1994, teve que ser reconstruído (através da Medida Provisória de n. 1.158) o CMN (Conselho Monetário Nacional), bem como de sua Comissão Técnica da Moeda e do Crédito (COMOC). O perigo era alguma alteração no COPOM e sua disciplina, ou no equilíbrio de forças da governança da moeda estabelecida em 1994.

Felizmente, o redesenho não trouxe nenhuma inovação, inclusive e especialmente na delicada dinâmica do sistema de metas para a inflação. O novo CMN, reassumindo o desenho com três membros, aparece publicamente pela primeira vez no anúncio do pacote do dia 12 de janeiro, o primeiro do ministro Haddad, com jeito de governo de “coalizão”: o PT (Haddad), a 3ª via (Tebet) e o Banco Central do Brasil (Campos Neto).

O presidente da República demorou a sair do palanque, especialmente pela sua insistência em tratar do Banco Central e dos juros. Foi a primeira eleição em que o BCB estava no regime da Lei Complementar 179, de 2021, o primeiro e dificílimo teste do novo modelo institucional. Nesse sistema, os dirigentes do BCB, incluído o seu presidente, tinham mandatos a cumprir e não eram mais de livre nomeação do presidente eleito. No tocante a seus dirigentes, o BCB passava a ter regras semelhantes às de outras agências reguladoras, vale dizer, dirigentes com mandatos não coincidentes com os do presidente da República.

A influência do novo arranjo sobre as decisões de política monetária é um tópico em aberto. Teria o BCB reduzido demasiadamente a SELIC no terço final da pandemia? Teria elevado demais logo a seguir, durante o período eleitoral? Teria mantido a SELIC muito alta muito tempo?

Mesmo sem uma resposta muito clara para essas perguntas, a sensação é de que foi bem-sucedida a alteração institucional elevando a autonomia do BCB. O país não experimentou instabilidade macroeconômica ou financeira durante a mais contenciosa e polarizada de todas as eleições presidenciais desde 1989.

A dinâmica decisória na área econômica seria reveladora, sobretudo tendo em vista que a economia 2023 não foi um assunto muito debatido nessas eleições. Quais eram os reais planos econômicos do presidente eleito?

Em Brasília, o que se ouvia era que o presidente da República ia mandar na Economia 2023 porque dois ministros seus são suficientes para formar uma maioria no CMN. No entanto, esse colegiado sempre decide por consenso, de modo que não teve voto divergente, nem voto “ad referendum” desde a sua reforma em 1994.

Como iria funcionar esse novo CMN?

Tudo parecia muito novo e experimental na área econômica, uma vez que os dois ministros a ocupar as pastas “protagonistas”, Fazenda e Planejamento, não eram do ramo e sequer imaginavam que iam estar nessas posições 30 dias antes de suas nomeações.

Impossível afastar a sensação de improviso, um tanto dissimulada pela diligência de Haddad e sua vontade de acertar.

Essa discussão sobre influência política na moeda, ou sobre “bancadas” e votos divergentes, não prospera com respeito ao CMN, mas vai se transportar ao longo do ano para o COPOM, um colegiado de nove membros e que, ao final de 2023, já teria quatro novos integrantes escolhidos pela atual administração. Mas a liderança do BCB na condução da política monetária, vale dizer, a integridade do sistema de metas, não foi alterada, a despeito do mau humor presidencial quanto aos juros e quanto à governança da moeda.

O mérito pela preservação do sistema é parte conceitual, parte pessoal.

O sistema de metas já conta vários anos de bons serviços ao país. Seria uma tolice mudar. O conceito estava maduro, e assim permanece. Mas o mérito pessoal cabe ao presidente do BCB, Roberto Campos Neto, que teve muita paciência, atributo essencial para o primeiro presidente do BCB com mandato convivendo com um presidente da República ferozmente adversário daquele que o nomeou e com certa má vontade relativamente à delicada construção institucional que veio a herdar.

Desancar os juros altos é normal e aceitável, para qualquer político, desde que sem exageros. Todos os presidentes sempre reclamaram da taxa de juros. Como também os senadores, inclusive da situação. Mais ou menos como os exportadores reclamam da taxa de câmbio. Quando podia demitir o presidente do BCB “ad nutum” o presidente da República se queixava dos juros em “off”. Fazê-lo abertamente convidava a pergunta sobre por que não demitir. Quando perdeu esse poder, o presidente ganhou o privilégio de reclamar publicamente, ainda que sem consequência. Parece que Lula se sente melhor nessa nova situação.

Provocar o mercado financeiro

São comuns as diferenças de opinião sobre o nível adequado de juros diante de variações conjunturais na economia 2023. Entretanto, as falas do presidente sobre esse assunto, sobretudo no primeiro semestre do ano, deixaram atrás de si uma sensação ruim, mesmo sem ter nenhum efeito prático, senão o de provocar desnecessariamente o mercado financeiro, que parecia disposto a abraçar a nova administração desde o primeiro dia.

Essas tensões escalaram em março, quando Lula se referiu a Roberto Campos Neto como “aquele cidadão”. Era grotesco, ainda que não inconstitucional, o presidente da República ralhar em público com o presidente do BCB, com isso se equiparando ao presidente anterior em suas diatribes contra os conselheiros da ANVISA. Era uma repetição da implicância com o conhecimento especializado, agora em economia.

Se a ideia era “pazuelizar” o BCB, esta seria a missão dos primeiros dirigentes indicados por Lula para o BCB, sobretudo Gabriel Galípolo, que vinha ocupando a Secretaria Executiva do ministério da Fazenda, e foi o nome escolhido por Haddad (talvez para evitar um nome do PT). Mas não foi o que se observou. Na primeira reunião do COPOM de que participou, a 256ª, Galípolo votou com Roberto Campos Neto por uma redução da SELIC de meio ponto. O placar foi de 5×4 para a posição vencedora (queda de meio ponto) contra a queda de 0,25%. Foi o primeiro 5 a 4 da história do COPOM.

Nas reuniões posteriores do COPOM, as decisões foram de consenso na redução de 0,5% na SELIC, de modo a encerrar o ano em 11,75%. Galípolo não foi voto divergente em nenhuma dessas reuniões e nem foi mais uma presença na imprensa e nas redes sociais, tampouco o “contraponto” à política monetária. É discutível se devem existir “bancadas” no COPOM, inclusive de natureza partidária, uma “vermelha” (lulista, petista ou abertamente heterodoxa) e outra “muito durona”, como definiria o ministro Haddad em dezembro.

Seriam as indicações para o BC como as que o presidente faz para o STF, pessoas com o “notório saber”, mas “de confiança”, como Cristiano Zanin e Flavio Dino?

Lula já indicou quatro novos dirigentes do BCB, dois servidores da casa, para diretorias com esse perfil, Ailton Aquino e Rodrigo Teixeira, e dois economistas “de fora”, Galípolo e Paulo Picchetti, professor da FGV-SP. No final de 2024, terminam os mandatos de Roberto Campos Neto e de dois outros diretores. Lula terá o “controle” da instituição ao escolher os substitutos, sobretudo o presidente, somando sete nomeados seus de um colegiado de nove.

Como isso vai alterar a política monetária?

Espera-se que não haja alteração em 2024 e adiante. Tal como se passou em 2023.

Resta ver como o presidente fará isso através de suas escolhas, inclusive e principalmente para o lugar de Campos Neto, que terminou o ano de 2023 participando alegremente de churrasco na Granja do Torto em harmonia com o presidente e seu entorno.

A meta de inflação para 2023 era de 3,25% com 1,5% de margem de tolerância, portanto com um “teto” de 4,75% e as expectativas para o IPCA para 2023 aferidas pelo Focus (em 22/12, último do ano) estavam em 4,46%. Ou seja, tudo indica que o BCB cumprirá a meta, embora dentro do intervalo de tolerância. Não haverá “carta aberta” desta vez, e o primeiro presidente do BCB com mandato deixará o seu posto com sua missão cumprida. Talvez tão difícil quanto reduzir o IPCA tenha sido engolir em seco diante de provocações públicas a que esteve sujeito. O “ganho institucional” foi gigantesco.

Foi um ano complexo do ponto de vista fiscal, e os temas principais foram de natureza orçamentária. O enredo começa antes da posse, com a já citada PEC da Transição, um pequeno milagre de governabilidade, pelo qual a legislatura anterior passou uma emenda constitucional em um mês, criando condições para que o Bolsa Família ampliado continuasse a ser pago sem interrupções.

Recriar certa normalidade orçamentária e fiscal era um desafio claro, em vista da singularidade das soluções encontradas para lidar com a pandemia no governo anterior. Não faz sentido fazer política fiscal através de emendas constitucionais. Ou seja, a de transição devia ser a última, ao menos tratando de orçamento.

No corpo dessa PEC, que se tornou a EC126, de 21/12/2022, havia um comando importante, que veio a se tornar o “arcabouço fiscal”. Conforme estabelecido no seu artigo 6, o presidente da República deveria “encaminhar ao Congresso Nacional, até 31 de agosto de 2023, projeto de lei complementar com o objetivo de instituir regime fiscal sustentável e que [apenas] depois da sanção desse projeto diversos artigos do ADCT estarão revocados, especificamente os que definem a mecânica do “teto de gastos”[1].

O governo encaminhou esse projeto no dia 30 de março, última quinta-feira do mês, no final do expediente. Não foi, como alguns esperavam, uma nova lei para regular o orçamento, a fim de substituir a lei 4.320/1964 e prestigiar o voto da ministra Carmen Lúcia no assunto das emendas ao orçamento secreto. Para a substituição do “teto”, o governo trouxe regras fiscais de natureza macro, que passaram a dominar os debates sobre política fiscal no restante do ano. As declarações e as intenções pareciam boas, sobretudo tendo em vista que o “novo teto”, ou o novo arcabouço, estava sendo proposto por opositores ferrenhos da ideia de “teto” ou mesmo de responsabilidade fiscal e sustentabilidade da dívida.

O “arcabouço” provocou duas famílias de juízos. De um lado, emergiram dúvidas sobre o real compromisso com suas metas, eis que a nova fórmula parecia, em seus aspectos formais, a famosa banda diagonal endógena, de triste memória. Ou seja, parecia uma fórmula de impossível execução, cujo anúncio se esgotava em si mesmo. Seria mesmo para valer? Ou o arcabouço estaria destinado a servir como um “protocolo do gasto”, conforme a definição do professor Rogério Werneck?

De outro lado, as diversas análises de especialistas convergiam em que as metas anunciadas para o resultado primário somente seriam viáveis na presença de ganhos de arrecadação superiores a 150 bilhões. Não parecia um número tão difícil num orçamento de 2 trilhões, mas o silêncio governamental sobre o assunto mostrava que não havia nenhuma ideia sobre como consegui-lo. Eram números à procura de um plano, e não a expressão numérica de um plano de governo.

Seria o prenúncio de uma elevação relevante da carga tributária? Pacotes tributários estariam a caminho? Ou seria simples voluntarismo?

A conta precisa fechar

Inicialmente, o ministro negou a intenção de aumentar a carga tributária: “se por isso se entende a criação de novos tributos ou aumento de alíquota dos tributos existentes, não é a ideia, não é disso que se trata”. Mas passou o restante do ano correndo atrás de receitas, meio capturado pela Receita Federal, trabalhando “no subsolo” das renúncias, bases de cálculo e decisões judiciais (e administrativas), e muito empenhado em evitar algum a contenção de despesas.

Simultaneamente, o ministro precisava afastar a urgência de aumentar a receita do debate sobre a reforma tributária, inclusive para não a comprometer.

O fato incontornável é que se o inflacionismo está afastado, bem como o aumento do endividamento, a manutenção e especialmente a elevação do gasto (investimento) público, que é típica e própria dos governos petistas, dependerão do aumento dos impostos. A conta precisa fechar. Tipicamente, o “fechamento” pela direita se dá através da redução do gasto (do tamanho do Estado). Pela esquerda, o que se apresenta é o aumento nos impostos e de sua progressividade.

O esforço de preservar a integridade dessas metas do arcabouço diante do “fogo amigo” vindo das esferas políticas foi uma das grandes conquistas do ministro Haddad nesse primeiro ano de governo. Não obstante, a novidade representada pelo novo arcabouço fiscal não gerou as expectativas favoráveis que se esperava quanto ao regime fiscal. Tudo dependeria de um equilíbrio político meio frágil, dentro do governo, uma vez que ficava sujeito às vontades cambiantes do presidente da República e de outras lideranças políticas. Portanto, o arcabouço não alterou de forma material o balanço de forças no assunto da política monetária.

A apresentação do arcabouço fiscal parecia destinada a confrontar o BCB com a obrigação de apressar a redução nos juros, uma vez que resolvesse a evidente inconsistência entre a meta da inflação e a política fiscal. Não era uma má teoria, se, de fato, o arcabouço fornecesse a solução para o problema fiscal brasileiro. Só que não era isso.

Pior, até: com o problema fiscal sem solução, muitas perguntas difíceis se apresentavam. Será mesmo possível que o presidente Lula, em seu terceiro mandato, fora de circunstâncias excepcionais no campo das commodities e de heranças magníficas, conseguirá governar com responsabilidade fiscal? A Nova Matriz macroeconômica poderia ressurgir?

A desproporção entre desejos e possibilidades é um problema crônico da política fiscal. A União esgotou sua capacidade de se endividar e não pode pagar suas contas fabricando papel pintado. Exatamente como os entes federativos diante das restrições da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O ministro Haddad talvez reconheça o que tem diante de si: Brasília se parece com uma grande prefeitura com problemas de caixa.

Talvez o ministro tenha se iludido em pensar que a União é diferente, pois, em tese, pode emitir moeda e se endividar em variados formatos. Entretanto, dificilmente terá prefigurado que esses truques já estão esgotados há anos.

As primeiras votações importantes, a partir de propostas do novo ministro, ocorreram apenas em maio, com resultados mistos. As vitórias parecem de Lira, as derrotas do Executivo. O governo quase perde a MP 1.154/23 que redefinia a Esplanada (a nova arquitetura dos ministérios). Seria uma crise. A relação com o Legislativo parecia tão frágil em meados de 2023 que era melhor não declarar as prioridades. Com isso, o governo evitava falar de seus planos econômicos, mas conversava e negociava concessões, emendas e mesmo cadeiras em ministérios para o chamado Centrão.

Foi então que veio a notícia do crescimento do PIB no primeiro trimestre: 1,9% de crescimento no trimestre sobre o trimestre anterior, um número muito forte, e bem maior que a mediana das expectativas. Em condições normais uma notícia boa; no entanto, a explicação para a surpresa residiu integralmente no comportamento do PIB agropecuário, 21,6% de crescimento no trimestre sobre o trimestre anterior. Era um “Pibão desconfortável”, conforme definiu um observador arguto (Carlos Alberto Sardenberg, em coluna para o jornal O Globo, de 03/06), uma vez que o governo parece associar o agro ao governo anterior.

Com ventos melhores na economia 2023, ainda que acidentais, tudo se encaixou.

Em junho, começa uma acomodação do rating do país, quando a S&P anunciou que o colocou o risco soberano do país em perspectiva positiva. O upgrade viria em dezembro, depois de votada a reforma tributária no Senado. Em julho, a Fitch faria o seu upgrade, mas todas as agências se alinharam em colocar o Brasil dois níveis abaixo do grau de investimento, e sem perspectiva de ir além disso. É o que temos por ora, e vai ser difícil sair desse nível sem um “fato novo” de certo impacto.

“Carta aos brasileiros” em outro formato

A meta de buscar o investment grade, uma vez adotada, ofereceria uma excelente fórmula para domar os instintos keynesianos do governo, e avançar pautas reformistas. Mas o assunto é tratado com muita cautela. As “reformas” que tanto agradam as agências não fazem parte das aspirações dos governos de esquerda. Talvez por isso mesmo seja considerada “histórica” a reforma tributária. “Histórica” porque improvável, e por isso mesmo um tanto distante do formato ideal.

Com efeito, a aprovação da reforma tributária, o evento que precipitou o upgrade da S&P não era uma pauta da esquerda. Na verdade, a reforma tributária era uma das reformas do Consenso de Washington, e sua justificativa em geral tinha que ver com a melhoria no ambiente de negócios, um assunto bem distante dos ideais históricos do petismo e de Lula.

Ao longo de sua intricada tramitação, ficou claro que o aumento da receita para sustentar um Estado maior não se confunde com a racionalização e simplificação dos impostos sobre o consumo. São temas diferentes. E não deu para misturar.

O fato é que os festejos na aprovação da reforma acabaram sendo reveladores. A pauta era mais transcendente do que parecia, mais do que simplesmente um assunto tributário.

A aposta na reforma tributária talvez melhor se explique pelo cálculo político. Era uma forma de escrever uma “carta aos brasileiros” em outro formato, com o intuito de agradar e assegurar apoios no mundo empresarial.

A energia política a ser empregada no projeto seria muito grande, pois sua tramitação seria, como efetivamente tem sido, longa e tormentosa. O assunto se estendeu pelo segundo semestre, e não terminou em dezembro com a promulgação da emenda. As leis complementares ainda vão consumir muita energia do governo ao longo deste ano e mesmo depois. O prazo total para a computação dos efeitos da reforma pode ser maior que uma década.

Como lição, resta observar que nada parece consumir mais energia política do que encrencas federativas, de modo que tudo o que se pode prognosticar sobre o andamento desse assunto, mesmo na restrita esfera da regulamentação, é que vai se prolongar além do esperado e com desgastes maiores do que pensa.

Nenhum governo foi tão longe quanto este nesse assunto, só resta saber se isto será bom ou ruim, no mérito ou como fato político. É cedo para aferir, mas certamente funcionou para ajudar a aterrissar o novo governo no terreno empresarial.

É compreensível e justa, portanto, a comemoração da sanção da emenda, ocorrida com muita festa em dezembro. É um segundo pequeno milagre de governabilidade que permite certo otimismo acerca das possibilidades de superação dos impasses decorrentes da polarização política. Mas não é o fim desse jogo.

Choques de oferta positivos, como os que operaram em 2023 para explicar o bom resultado das exportações e da balança comercial, às vezes caem dos céus, como no caso do super ciclo das commodities de uns anos passados. Mais seguro, entretanto, é fazer reformas mirando no aumento de produtividade e no ambiente de negócios.

Entretanto, a ênfase nas medidas e pautas reformistas modernizadoras, repita-se, não faz parte das prioridades declaradas do governo e do presidente Lula. Até pelo contrário, para melhor apaziguar aliados “radicais porém sinceros”, ou por afinidade ideológica mesmo, o governo fez gestões, felizmente sem sucesso, para interromper medidas como a privatização da Eletrobras e o marco do Saneamento, por exemplo.

Isso para não falar das ambiguidades do governo na governança da Petrobras.

Pode ser apenas “jogar para a torcida”, manobrar as aparências ou administrar uma coalisão política muito heterogênea. Ou não. Pode ser mesmo falta de liderança e de projeto. Impossível saber. A indefinição do governo na economia 2023, e em especial a sua hesitação do governo no assunto do equilíbrio fiscal, é uma de suas marcas mais visíveis.

Em outubro, refletindo essas dúvidas, o presidente da República deu uma longa e impactante entrevista parecendo querer desqualificar as metas fiscais do governo.

Nada pode ser pior para o ministro Haddad que o “fogo amigo” vindo do Palácio. O grande “plano de governo” na economia 2023 foi o arcabouço e seus números: se isso não é importante, o que sobra?

Haddad sentiu o golpe, e se possui 7 vidas, ou umas 3 ou 4, como se diz da média dos ministros da Fazenda, uma já se foi.

A manifestação de Lula sobre as metas fiscais de Haddad foi comparada ao famoso desabafo de Dilma Rousseff, pelo qual “gasto é vida”, a fala que serviu como marco definidor da Nova Matriz, de triste memória.

Como ilustração para as contradições em que se vê enredado o Ministro, note-se que o arcabouço “determina” uma expansão do gasto primário e, ao mesmo tempo, uma redução do déficit. É claro que essas duas coisas somente podem ocorrer simultaneamente se a receita crescer. Se isso não acontecer, o que vai se passar? Qual a determinação que vai prevalecer? A do gasto ou a do equilíbrio fiscal (na forma da lei de reponsabilidade Fiscal, que também é lei complementar)? São ponderáveis os riscos de desobediência aos ritos da política fiscal?[2]

O próprio presidente da República perguntou, em sua entrevista: “se for necessário esse país fazer endividamento para crescer, qual o problema?”

Pois é. Se o presidente não vê problema, nós temos, então, dois problemas.

Tudo considerado, entretanto, o país está bem mais maduro do que se supõe nos assuntos fiscais. O keynesianismo inflacionista não se confunde com a voracidade microeconômica do Legislativo para avançar no terreno das emendas orçamentárias. Não há nada ideológico na fisiologia, que vive de trocados. Caro mesmo é o desenvolvimentismo inflacionista.

O grande desafio do governo em seu primeiro ano foi o de aprender a viver sob limites, fiscais e monetários. O Legislativo e o BCB cumpriram seus respectivos papeis, a vida seguiu.

Não foi um ano especialmente bom na economia, nem ruim. Houve ganhos conceituais, especialmente relacionados ao desarme de várias bombas, tanto na oposição como na situação, e há muitos desafios pela frente.

Mas a sensação é positiva ao final. O país parece mais preparado para o futuro. Talvez prontidão não seja tudo, como supõe o célebre Príncipe da Dinamarca (‘Readiness is all’, Ato 5, cena 2). É muito, mas certamente não é garantia de sucesso.


[1] ADCT = Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e os artigos relevantes são os seguintes: 106, 107, 109, 110, 111, 111-A, 112 e 114.

[2] A pergunta é feita exatamente nesses termos por Marcos Mendes e Marcos Lisboa em “Sobre o limite de despesas no Arcabouço Fiscal” em Brazil Journal 22/1//2023.

Retrospectiva 2023 na Rio Bravo Investimentos

Aqui na Rio Bravo você pode ter acesso os mais variados conteúdos e serviços disponíveis. Acesse a Órbita e fique por dentro dos nossos conteúdos! Além disso, você pode conhecer e acompanhar os nossos principais produtos, em dados e análisesinforme de rendimentos entre outros assuntos voltados para investimentos e finançasEntre em contato!


Artigos

“Outubro Vermelho” por Gustavo Franco

A entrevista concedida pelo presidente da República – amplamente publicada e repercutida nos últimos dias, apelidado de outubro vermelho, se tratando de assuntos fiscais – foi um pequeno desastre para o ministro da Fazenda.

Nada é pior que o “fogo amigo” vindo do Palácio, em “on”: o presidente questionando a política econômica publicamente. O grande “plano de governo” na economia foi o arcabouço e seus números: se isso não é importante, o que sobra?

Outubro vermelho e suas crises

No passado, nas incontáveis ocasiões nas quais esse enredo se repetiu, o rito foi o mesmo: o ministro vai ao presidente da República, diz que seu cargo está à disposição, pois pertence ao mandatário, e eles combinam alguma encenação de apoio e confiança, a fim de evitar um pedido de demissão.

O registro é que Haddad sentiu o golpe – e se possui sete vidas, ou umas três ou quatro, como se diz da média dos ministros da Fazenda, uma já se foi. Resta ver como vai resistir e seguir adiante. Será preciso acompanhar.

Não é incomum que o chefe do governo se entregue a exageros verbais com vistas a acalmar setores mais radicais do partido, ou de sua coalizão. Sobretudo esse chefe de governo.

Entretanto, Brasília aprendeu a discernir excessos brancos, de pura retórica, daqueles que são declarações sinceras, fora da caixa e da rotina, e que revelam nuances de divergências materiais que a comunicação oficial se empenha em ocultar.

A manifestação de Lula sobre as metas fiscais de Haddad foi comparada ao famoso desabafo de Dilma Rousseff, “gasto é vida”, a fala que serviu como marco definidor da Nova Matriz, de triste memória.

A ex-presidente está convenientemente bem longe, em Shanghai, alojada e exilada na presidência do NDB (New Development Bank), o banco dos BRICS. Mas suas ideias parecem mais vivas do que se poderia imaginar.

Com isso, Fernando Haddad termina o mês menor do que começou, o que se da o nome de outubro vermelho para o ministro.

O terceiro mandato e suas dificuldades

Somada às declarações sobre o Oriente Médio, as falas do presidente parecem destinadas a solapar a reputação de encantador de serpentes que Lula cultivou ao longo de sua carreira.

Tudo é mais difícil nessa sua terceira presidência, na economia como em Brasília, e a reedição de velhos programas, bem como de velhas receitas para o entrosamento com o Legislativo, e mesmo das falas intuitivas e improvisos do mandatário, não têm produzido bons resultados.

O outubro vermelho trouxe mais que uma fala inadequada do presidente. O encontro anual do FMI e Banco Mundial no Marrocos, um bom termômetro para as aflições econômicas globais, teria sido monótono, não fosse uma grande sombra pairando sobre todos: o conflito no Oriente Médio.

Mesmo que as consequências do conflito no terreno financeiro, ou sobre o preço do petróleo, ainda sejam indefinidas, como o próprio desenrolar e o alcance do conflito, o assunto possui gigantesco potencial desestabilizador.

Brasil: o país das reformas

No terreno legislativo, o outubro vermelho teve ao menos dois destaques, ambos tributários: a reforma (constitucional) nos impostos sobre o consumo (a dita “reforma tributária”) tramitando no Senado, e os avanços na Câmara do PL sobre impostos sobre fundos fechados e recursos offshore.

Os andamentos da reforma tributária no Senado não surpreenderam. O relatório do senador Eduardo Braga (de 25/10, apresentado na Comissão de Constituição e Justiça) chamou a atenção pela ampliação supostamente irrazoável de exceções e do período de transição.

O relatório produziu críticas contundentes, como a de Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda de São Paulo e ex-diretor executivo do IFI (Instituição Fiscal Independente). Para Salto, o texto ficou tão complexo que talvez não valha mais a pena fazer (“Melhor não parir o mostrengo tributário”, O Estado de S. Paulo, 26/10/2023).

A reforma dos impostos de consumo já tinha fracassado várias vezes no passado, desde quando foi primeiro aventada nos anos 1990. A arquitetura melhorou, mas as dificuldades continuam grandes.

O ministro e o governo talvez tenham se iludido que o assunto estava maduro, e assim subestimado os recursos políticos necessários para uma tramitação tranquila.

A pauta do ambiente de negócios, que sempre foi a razão de ser dessa e de outras reformas, não é bem a cara desse governo. O problema será o de evitar o desgaste, afastando-se do tema, o que parece impensável na presença do ministro Haddad.

Xadrez econômico: área tributária

Também no terreno tributário, e mais diretamente na direção de se obter mais recursos para fechar as contas no contexto do arcabouço, veio a aprovação, na Câmara, do Projeto de Lei (PL 4.173), que trata da tributação de offshores, de investimentos no exterior e de fundos de investimentos fechados.

Não há tanto dinheiro em jogo, mas o ministro transformou o assunto numa campanha contra os ditos “super ricos”, e com isso o assunto ganhou importância como um tema de marketing político em desproporção com as receitas que de fato produziria.

O projeto provocou, portanto, sobressalto e desconfiança, sem falar em que pode “sair pela culatra”, por exemplo, se motivar a judicialização da temas aparentemente pacificados, como o “come-cotas”. Conforme lembrado por Marcos Lisboa e Vanessa Canado, o expediente serve para tributar ganhos que ainda não aconteceram, e podem não acontecer.

A Receita se ressente do uso que os contribuintes fazem das regras de “diferimento”, mas o fato é que o fato gerador (a renda) precisa ocorrer, tanto em fundos fechados quanto em offshores. Sem fato gerador não há imposto. Na verdade, sem ganhos já realizados, o que se tem é uma tributação sobre o patrimônio, não exatamente a prevista. E se alguém suscitar a constitucionalidade do “come-cotas”, que parece pacificado na sua incidência sobre fundos de investimento já durante alguns anos?

O uso da ideologia para definir um assunto

O fato é que o governo, e mais especificamente o ministro Haddad, politizou o assunto ao definir o PL como a “taxação dos super ricos”, assunto do qual ninguém de bom senso ousaria se opor. Mais ou menos como se fala sobre o imposto sobre grandes fortunas, que nenhum governo teve a coragem ou enxergou méritos objetivos para implementar. Tampouco este.

Por que o ministro não propõe taxar as grandes fortunas – que é, na prática, o que diz estar fazendo – em vez de mexer nas regras de investimento no mercado financeiro que geram muita espuma e pouca receita? Se é para tributar os super ricos pelo que de fato são, segundo algum critério objetivo que seria preciso definir, por que não o fazer de forma direta?

E a inflação como está?

A inflação está bem-comportada, ao menos por ora, com as expectativas sugerindo que o governo vai mirar (ou deixar-se limitar a) o teto do intervalo de tolerância, tal como se observou na época de Alexandre Tombini.

Para 2023, que já está em grande medida “resolvido”, a meta é 3,25%, e o teto de tolerância é 4,75% (3,25% + 1,50%) e mediana das expectativas (FOCUS de 30/10) para o IPCA está em 4,63% com leve oscilação para baixo. Para 2024, todavia, meta e teto são de 3,0% e 4,5%, mas a mediana das expectativas está em 3,90% com tendência de alta.

Não se espera que o COPOM altere a trajetória de queda de juros já sobre a mesa – com queda de 0,5% – nem o problema que vai haver em meados de 2024 quando começar o debate sobre a “taxa neutra” e também sobre o substituto para Roberto Campos Neto.

Dois nomes foram anunciados para substituir os dirigentes do Banco Central cujo mandato se encerra no final do ano: Paulo Picchetti, para substituir Fernanda Guardado, nos Assuntos Internacionais; e Rodrigo Teixeira, para substituir Marcelo Moura na Diretoria de Cidadania. Picchetti é professor da FGV-SP e Teixeira é funcionário de carreira.  

É um enorme progresso que o inflacionismo esteja mitigado e que se limite a usar “todo o espaço” que lhe permite o sistema de metas sem subvertê-lo. Não é o ideal, mas é a zaga aguentando a pressão do adversário, sem ceder espaço.

As instituições funcionam, ao menos na defesa da moeda

Um outro bom exemplo vindo de Brasília, e especificamente do STF, é a decisão que reafirmou a constitucionalidade da (retomada de imóvel no regime de) alienação fiduciária. A Lei 9.547, de 1997, criou o SFI (Sistema Financeiro Imobiliário) e assim deu efetividade a conceitos, entre outros, como o patrimônio de afetação, a segregação fiduciária de um empreendimento, bases para os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários).

Essa é uma lei que demorou a “pegar”, pois era preciso que os tribunais “reconhecessem” seus dispositivos, o que levou muitos anos. Ainda não temos um mercado de “mortgages” como nos EUA, mas o crédito imobiliário livre vai crescendo, bem como as securitizações e estruturas financeiras que apoiam o desenvolvimento imobiliário.

Foram duas décadas até o assunto chegar ao STF, já muito pacificado, mas nem por isso deixou de haver votos contrários, ou seja, pela inconstitucionalidade de retomada de imóvel dado em alienação fiduciária (ministros Edson Fachin e Carmen Lúcia). Surpreende, também, é que o noticiário sobre a decisão tenha sido tão “torto”, enfatizando o poder dos bancos para retirar a moradia das pessoas.  


[1] “O erro do ‘come cotas’” Brazil Journal de 25/10/2023.

Gustavo Franco – Senior Advisor da Rio Bravo

Rio Bravo Investimentos

Já conhecia o termo “Outubro Vermelho?” Aqui na Rio Bravo através do nosso portal Orbita você pode ter acesso os mais variados conteúdos e ficar por dentro das novidades que cercam o nosso governo e as suas práticas econômicas . Além disso, é possível conhecer e acompanhar os nossos principais produtos, como dados e análisesinforme de rendimentos entre outros assuntos voltados para investimentos e finançasEntre em contato!

Artigos

Novo Arcabouço Fiscal, Regras e Discricionariedade

Entenda tudo sobre o Novo Arcabouço Fiscal

                                                                                                         

No campo fiscal, uma das reformas econômicas mais esperadas desde o começo do Governo Lula foi a definição do novo arcabouço fiscal, ou Regime Fiscal Sustentável, lei que substitui a regra do “teto de gastos”, e que foi sancionada pelo Presidente da República.

Assim como o “teto dos gastos”, o objetivo da nova lei seria estabilizar o grau de endividamento do governo brasileiro, auferido pela razão entre a dívida pública bruta e o produto interno bruto (PIB), que alcança a 84,1%, segundo o critério adotado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), colocando as contas públicas nacionais numa rota de insolvência no longo prazo.

Porém, a nova “âncora fiscal” adotada não trata de realizar um ajuste fiscal, que geralmente implica em redução das despesas públicas e aumento de impostos, para equilibrar o orçamento público.

Pelo contrário, o novo arcabouço fiscal permite que o gasto público cresça, desde que menos do que arrecadação tributária: 70% no caso do cumprimento da meta de resultado primário (receitas menos despesas públicas não financeiras) e 50%, em caso de descumprimento da referida meta.

Nesse sentido, um ponto muito preocupante é que as próprias metas de resultado fiscal primário em que a regra se pauta também podem passar a ser alvo de mudanças extemporâneas, como provavelmente acontecerá com a meta de 2024.

Política econômica deve ser flexível?

Há muito tempo se tem debatido se a política econômica deve ser uma regra, mantida “doa a quem doer”, ou se deve ser discricionária, adaptando-se às condições de curto prazo da economia.

A profissão da economia não se caracteriza por produzir muitos consensos. O grande economista John Maynard Keynes certa vez disse que se perguntassem uma opinião a doze economistas teríamos doze opiniões diferentes.

Contudo, um dos poucos consensos da profissão é privilegiar o estabelecimento de regras na condução da política econômica, pois a discricionariedade leva ao aumento da incerteza na economia, o que, pela dificuldade de projetar cenários futuros, termina por reduzir os investimentos produtivos, e, portanto, o crescimento econômico.

Uma meta fiscal que muda “ao sabor das circunstâncias” deixa de ser uma regra, e no caso brasileiro, além dos efeitos deletérios sobre os investimentos, significaria elevar o risco fiscal e o risco país, gerando maiores cotações do dólar, o que, por sua vez, pode dificultar a redução da inflação, impedindo maior redução dos juros, e assim também prejudicando a capacidade de expansão da atividade econômica.

Assim, ao mudar a meta de resultado primário 2024, e quem sabe as metas estabelecidas para os próximos anos, permitindo expansões adicionais do gasto, pode-se estar gerando maior bem-estar social no curto prazo, porém às custas de hipotecar esse próprio bem-estar a médio e longo prazo, o que em economia se chama de “inconsistência temporal”.

O impacto do novo novo arcabouço fiscal

O mercado, tanto a nível interno como externo, inicialmente recebeu bem o anúncio e a aprovação do novo arcabouço fiscal, porém, se este se mostrar insuficiente para controlar o crescimento do endividamento público e contribuir para elevar o nível de discricionariedade da política fiscal, não somente estará impedindo a recuperação da solvência fiscal do Governo brasileiro, como também limitando as possibilidades de desenvolvimento do País.

Ulisses Ruiz de Gamboa.

ULISSES RUIZ DE GAMBOA é economista do Instituto de Economia Gastão Vidigal da Associação Comercial de São Paulo (IEGV/ACSP)

Inclusão na Rio Bravo Investimentos

Aqui na Rio Bravo através do nosso portal Orbita você pode ter acesso os mais variados conteúdos. Além disso, é possível conhecer e acompanhar os nossos principais produtos, como dados e análisesinforme de rendimentos entre outros assuntos voltados para investimentos e finançasEntre em contato!

Artigos

O discurso de Lula na 78ª Assembleia-Geral da ONU: entre o esperado e o fabricado

Comentários acerca dos pontos controversos do discurso do presidente da República na 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas.

Paulo Roberto de Almeida

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura dos debates na 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Este é o 9º que ele pronuncia, depois dos oito anteriores já feitos em seus dois primeiros mandatos, entre 2003 e 2010.

Não difere muito do tom reivindicativo e até pedagógico (ensinando ao mundo como ele poderia se comportar melhor) daqueles precedentes. Ou seja, a não ser pelo fato deste mais recente, em 19 de setembro de 2023, revelar mais abertamente algumas das opções políticas já desveladas por Lula em diversas ocasiões nos últimos nove meses.

Vamos evidenciar apenas alguns aspectos desse pronunciamento, dadas a sua extensão (cerca de seis páginas). E as suas pretensões abrangentes, de Norte a Sul, de Leste a Oeste.

Semelhanças e o padrão democrata

Cabe, antes de mais nada, registrar que o texto possui algumas das características típicas de todos os seus discursos num ambiente diplomático. Ou seja, uma estrutura híbrida e os seus componentes bipolares: de um lado, os elementos habituais de um discurso feito por burocratas do Itamaraty.

Basicamente um estilo mais polido, e de outro lado, os componentes partidários e ideológicos que são mais frequentemente enxertados no Palácio do Planalto.

Antes, nos dois mandatos anteriores, e até no 1,5 mandato de Dilma, essa tarefa estava ao encargo do apparatchik do partido encarregado dos assuntos internacionais. Mais conhecido no Itamaraty como “chanceler para a América do Sul, agora é o próprio ex-chanceler desempenha a função, provavelmente ajudado por alguns petistas.

Esse primeiro lado, o diplomatês habitual, é o esperado nos discursos, com a sucessão de invectivas sobre as desigualdades sociais, étnicas e outras. Além disso, o pouco comprometimento dos países ricos em atender aos requerimentos desejados pela cooperação para o desenvolvimento dos países mais pobres.

Assim, acrescido das questões mais presentes nas últimas décadas, como:

  • Sustentabilidade ambiental;
  • transição energética;
  • ameaças à paz internacional derivadas das armas atômicas;
  • outras questões desse rol.

Não há muito o que comentar nesse particular, pois é o que vêm fazendo todos os chanceleres, desde muitas décadas no passado. E o que farão também os seus sucessores, no futuro previsível.

Vamos deixar de lado, então, a questão da fome no mundo, a desigualdade na distribuição de renda ou até a defesa da democracia. Tudo isso já era esperado e habitual.

Novidades presentes em um discurso moderno e diferente

O mais interessante, portanto, seria comentar o que há de novidade no discurso deste ano. E aí é que entram as tais novidades políticas, ideológicas e partidárias, que parecem ter se acentuado desde algum tempo.

Talvez coincidente com a volta de uma nova Guerra Fria, desta vez não mais geopolítica, como no fim do século XX, e mais econômica/tecnológica. Desde a ascensão irresistível da China à preeminência comercial planetária.

A principal é uma crítica à própria ONU e suas instituições subordinadas, o que não era frequente nos discursos tradicionais preparados pelo Itamaraty.

Lula disse que “Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução”. O exemplo indicado é o diferencial de ajuda dado pelo FMI aos países europeus. Segundo ele 160 bilhões de dólares, e aquele fornecido aos países africanos, no fim, apenas 34 bilhões de dólares.

Se considerarmos o PIB conjunto da Europa e África, assim como a amplitude dos desequilíbrios que possam ter sido compensados pela ajuda do FMI. Constata-se que os países africanos receberam muito mais, pelo porte das economias e pela renda per capita. Não se vê, por outro lado, onde é que as instituições de Bretton Woods e a OCDE fizeram a “apologia do Estado mínimo”. Quando esses órgãos são o mais próximo que se possa ter, nas economias de mercado, de planejamento econômico e de intervencionismo na regulação macroeconômica e setorial.

Divergências econômicas

Fica também difícil de constatar onde o “neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias”. Sendo que seu legado seria “uma massa de deserdados e excluídos”.

Os dois maiores países antes guiados pelo socialismo ou pela ação diretiva do Estado, China e Índia, são justamente aqueles que retiraram centenas de milhões de miseráveis de uma pobreza ancestral graças ao fato de terem abandonado o dirigismo anterior e aderido a versões mais abertas de uma economia de mercado, inclusive por uma inserção deliberada em todos os tipos de transações globalizadas.

Mas o argumento mais surpreendente se refere à guerra na Ucrânia: segundo Lula, ela “escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU.” Como coletiva? A guerra de agressão foi perpetrada por um violador claramente identificado coletivamente, condenado em resoluções da própria AGNU, mas que NUNCA é referido por Lula, o que se parece bem mais com uma espécie de miopia individual, ou coletiva, dos que escreveram o discurso para o presidente.

Lula e o seu discurso com um teor crítico e reflexivo

Lula também é crítico de “toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência”, o que é desmentido pela sua exaltação da ampliação do Brics – descrito por ele como “uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes” – e por seus recorrentes apelos à construção de uma “nova ordem global”, de sabor, teor e finalidades claramente antiocidentais, dadas seus reiteradas críticas aos países ocidentais que “estão sustentando a guerra na Ucrânia pelo fornecimento de armas”, o que é, no mínimo, um convite ao desaparecimento do país invadido pela força das tropas invasoras.

O crescimento do Brics, decidido na cúpula de Joanesburgo – mais 120% de membros, mais uma vez pelas mãos da China, como já tinha sido o caso da África do Sul – fortalece, segundo Lula, “a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21”.

O sentido dessa ampliação aponta claramente para uma oposição ao “neoliberalismo falido”, que, na visão do presidente, foi substituído por “um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”. Algum jornalista talvez devesse perguntar a Lula o que ele está achando do governo de Putin, que tem feito leis de nítido teor conservador, homofóbico e autoritário.

O único jornalista do qual ele se lembrou foi Julian Assange: Lula não deve ter sido informado da situação do jornalista russo Vladimir Kara-Murza, condenado por Putin a 25 anos de cadeia supostamente por “espalhar desinformação”.

Os antigos discursos puramente diplomáticos de Lula eram bem mais coerentes com a democracia e os direitos humanos, que Lula diz defender, e bem menos divergentes com uma realidade fabricada por seus assessores puramente partidários para este discurso de 2023.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata, professor e escritor


Nota do Editor: Paulo Roberto de Almeida participou, recentemente, do terceiro episódio da atual série de Videocasts da Rio Bravo, “As Instituições Estão Funcionando?” Confira a íntegra da entrevista a partir do link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=1JJC4Q9eB7E

Conheça a Rio Bravo Investimentos

Aqui na Rio Bravo você pode ter acesso os mais variados conteúdos e serviços disponíveis. Acesse a Órbita e fique por dentro dos nossos conteúdos! Além disso, você pode conhecer e acompanhar os nossos principais serviços, dados e análisesinforme de rendimentos entre outros assuntos voltados para investimentos e finanças. Entre em contato!

Artigos

“Meia estação” por Gustavo Franco

Brasília se acalma quando o presidente viaja, pois boa parte da capital, juntamente com o noticiário, viaja com ele. O tema de mais essa etapa da diplomacia presidencial é a expansão do grupo BRICS, assunto de grande visibilidade, mas de efeitos econômicos “de longo prazo”, difíceis de se vislumbrar no primeiro momento.

Grandes debates podem ser entabulados sobre se os BRICS, ou se alguma expansão desse grupo, alcançarem a expressão e o significado do finado grupo dos 77 (G-77), os países ditos “não-alinhados”, de certo peso nos tempos da “guerra fria”.

O contexto é outro, mas há pouca dúvida de que o grupo se tornou algo bem maior que o prefigurado pelo criador do acrônimo, Jim O’Neill, em um já célebre relatório de pesquisa da Goldman Sachs.

Mas certamente parece exagerado pensar que o grupo possa entreter ideias ambiciosas, por exemplo, sobre a desdolarização do comércio internacional.

A construção e expansão do grupo está em andamento e não se sabe bem até onde poderá ir.

No Summit de Johanesburgo, agora no mês de agosto, o grupo Brics ajustou a inclusão de seis novos membros: Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Egito e Irã.

Não há mais um acrônimo que possa encapsular as iniciais desse novo G-11, e está aberta a temporada para as interpretações econômicas e geopolíticas sobre os termos de referência desse novo Brics.

O fato é que, sem a expansão de agora, os cinco membros originais respondiam por cerca de 15% do PIB mundial em 1992 e hoje sua contribuição ultrapassa 1/3, com 3,4 bilhões de pessoas, ou seja, mais de 40%da população do planeta.

A contribuição do G7 para o PIB global era de 45% em 1992 e passou a 28% em 2023.

É claro que esse G-11, ou o grupo BRICS depois de uma expansão (BRICS+), ainda pode crescer muito mais, porém, necessariamente, sua personalidade vai mudar.

Sua próxima expansão possivelmente confrontará não mais o G-7, mas o G-20, cuja presidência será do Brasil entre dezembro de 2023 e novembro de 2024. E o grande desafio do próximo ano, resumido em uma única palavra, será: Argentina.

Os novos membros do BRICS+ não necessariamente contribuirão capital para o banco, o NDB (New Development Bank, conhecido como o “banco dos Brics”). Embora isso possa ocorrer em se tratando dos novos sócios que vêm do Golfo Pérsico, os outros, como a Argentina, deverão permanecer na ponta tomadora, do outro lado do balcão, como clientes. Crescendo em direção a seus clientes, o BRICS+ tende a ser uma emanação da China, um desafio para os outros países fundadores do grupo Brics.

Cada um dos sócios originais do grupo possui sua agenda e seus interesses específicos e circunstanciais no desenvolvimento do bloco, que terá de se equilibrar numa linguagem sempre muito neutra para definir sua razão de ser e para acomodar as suscetibilidades de cada sócio.

Para o Brasil, resta evidente que o grupo e o conceito do BRICS+ permitem uma fusão entre a diplomacia pessoal do presidente da República e as agendas da esquerda do Itamaraty, bem representadas e assentadas no novo governo através da presença do embaixador e ex-ministro Celso Amorim, como um ministro sem pasta, ou chanceler “sombra”.

A inclusão da Argentina nessa primeira expansão do grupo BRICS pode ser vista como uma vitória brasileira, restando cogitar sobre o quanto deverá custar. Pode ser um favor para os Hermanos que, inclusive, afaste o Brasil de obrigações financeiras com o vizinho. Seria como fazer uma introdução, e deixar a dura conversa sobre funding com os sócios chineses. Mas talvez seja o contrário: o Brasil pode não conseguir se desvencilhar de contribuir para um pacote argentino, que parece provável em sequência às eleições de outubro, e que pode ser gigante e arriscado, e cuja construção provavelmente passará pelo G-20.

Um candidato que desafia descrições

A Argentina realizou em 14 de agosto as suas primárias presidenciais (PASO – Primarias Abertas Simultâneas Obrigatórias) e o grande vencedor foi Javier Milei, um candidato que desafia descrições: como definir o populismo pela direita, com fortes tonalidades de liberalismo de modalidade libertária, na pátria do peronismo?

A analogia com Bolsonaro é automática e um tanto perturbadora, mas não passa de uma aproximação: os outsiders políticos, como as famílias infelizes de Tolstói, o são cada um de um jeito.

A aceleração da inflação tem sido alarmante, bem como o estado das finanças públicas. Conservadoramente, o FMI estima que a inflação termine o ano em 120%, com queda de 2,5% no PIB, mas a situação fiscal se encontra em franca deterioração, sendo que o próprio FMI não acredita que o governo cumpra sua meta fiscal para o ano, um déficit primário de 1,9% do PIB. Há um acordo com o FMI em andamento, cuja sexta revisão revelou uma impressionante taxa de descumprimento.

As eleições presidenciais terão lugar em outubro, e vai se firmando a expectativa de um pacote anti-inflacionário radical.

A inflação é o grande assunto da eleição, e a atmosfera lembra a disputa brasileira de 1989, época em que o presidente era eleito em outubro e a posse ocorria em março do ano seguinte. A tensão vai crescendo de tal sorte que um pacote se torna inevitável para quem quer que vença.

Miliei tem como principal assessor econômico o economista Emilio Ocampo, autor de um livro (em coautoria com Nicolas Cachanoski) cujo título fornece uma indicação muito forte sobre o que poderá se passar: Dolarización: Una Solución para la Argentina.

Risco sempre presente

Entretanto, é difícil imaginar que a Argentina consiga implementar um regime como o do Equador, de dolarização sem “currency board”, e sem uma moeda fiduciária nacional. Esta seria a próxima variante (a última?) ainda não tentada, ainda mais radical que o “Plano de Conversibilidade”, associado ao ministro Domingo Cavallo, de 1991, e que colapsou em 2002.

Parece também difícil imaginar que isso possa ser tentado sem que ocorra algo como um “Plano Bonex” (o equivalente argentino para o confisco do nosso Plano Collor). Vamos aguardar.

Enquanto isso no Brasil, em imenso contraste, vamos festejando discretamente os 29 anos do padrão monetário iniciado em 1994, e refletindo sobre o longo prazo, ou sobre os próximos 30 anos de política monetária e de mercado de capitais, em um ambiente de estabilidade de preços, ou de inflação de Primeiro Mundo.

As primeiras três décadas do real foram muito profundamente marcadas pelas dores do tratamento.

Demorou pouco menos de três anos, a partir do Plano Real, para que a inflação, medida pelo IPCA, caísse abaixo de 5% anuais no acumulado de 12 meses. Mas foram mais de 25 anos para a SELIC chegar nesse patamar. O COPOM, que foi criado em 1996, se reuniu 226 vezes antes de colocar a SELIC em 4,5% anuais em 11/12/2019.

Foi uma trajetória longa e tormentosa e uma de suas lições mais cruéis é que não há cura definitiva: o risco de retorno da velha senhora está sempre presente e requer esforço permanente de prevenção.

A experiência recente da Argentina serve como valioso referencial para os que não lembram, ou que não viveram as dificuldades dos anos 1980, e não compreendem a gravidade e a complexidade de uma hiperinflação.

Passados 30 anos do Plano Real, e mesmo depois de longa desintoxicação, a inflação permanece uma ameaça, ainda que numa ordem de grandeza diferente da que teve no passado. Feita a ressalva, é interessante refletir sobre o horizonte que se apresenta para a política monetária e para o mercado de capitais brasileiro.

Ressalvada uma deterioração fiscal significativa, que sempre parece estar na próxima esquina, mas que, em verdade, é bem mais difícil de ocorrer hoje do que já foi no passado, é legítimo admitir que o Tesouro deverá encontrar melhores condições de (re)financiamento de sua dívida nos próximos 30 anos, especialmente se comparadas às condições observadas nos primeiros 30 anos do real.

Em tempos de crise fiscal, parece claro que a manutenção de juros reais positivos, todos dias a cada dia, funcionava como uma garantia de backstop público contra os efeitos da inflação, e como uma condição essencial para afastar o risco de uma hiperinflação. Eram os tempos do overnight.

É claro que a situação fiscal brasileira não é a de um país que tenha sequer o “grau de investimento”, mas a crise fiscal aberta do início da década de 1990 parece ter ficado para trás. Entretanto, o reconhecimento desses progressos “institucionais” ficou mais difícil depois que o próprio presidente da República politizou as taxas de juros, com isso incentivando os economistas, e mesmo o Parlamento, a cerrar fileiras em apoio ao Banco Central e a voltar suas atenções para a sustentabilidade fiscal.

Com efeito, o assunto do equilíbrio fiscal está bem longe de estar resolvido, e a aprovação do chamado     “arcabouço fiscal”, em linha com o determinado pela PEC da Transição, representa nada mais que um passo relativamente tímido nessa direção. O país recebeu um upgrade na classificação de risco soberano, mas ainda permanece firmemente abaixo do “grau de investimento”.

Do ângulo intertemporal, a ideia de efetuar um “ajuste fiscal permanente”, ou de adotar um regime fiscal que de fato estabeleça a sustentabilidade fiscal, destinado a colocar o país na região do “grau de investimento” deveria ser um no-brainer. Reduções de despesa hoje se transformariam em grandes economias de juros no futuro.

É simples: ficaria mais barato para o Tesouro (re)financiar sua dívida porque haveria menos risco. Se o país chegar ao “grau de investimento”, e mesmo ultrapassar essa marca em dois ou três degraus (chegando no nível do Chile, por exemplo), certamente conseguiria reduzir substancialmente o custo de sua dívida, com imensa vantagem fiscal.

Mas as decisões de política fiscal não são feitas com essa lógica.

O ministro da Fazenda deveria ser o depositário desses princípios, o que, todavia, não parece ser o caso. A atenção do ministro parece unicamente concentrada nos impostos, e muito pouco em redução de despesa. O arcabouço foi uma boa iniciativa, mas é menos efetivo e restritivo que o teto de gastos. Suas metas de superávit primário não parecem factíveis, nem mesmo na banda inferior, o que remeteu o ministro da direção dos impostos e do desgaste.

A associação do ministro, e do governo, ao aumento da carga tributária, aliada à leniência com a despesa, deverá ficar mais flagrante e politicamente custosa.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, perdeu espaço e não faz contraponto ao ministro, até pelo contrário, parece se alinhar ao petismo mais radical, que, talvez por profissão de fé ou obrigação política, não apoia o ministro da Fazenda.

O ministro Haddad tentou encontrar linhas de menor resistência no campo da arrecadação, com o propósito de não descumprir muito flagrantemente sua promessa de não aumentar a carga tributária, mas não está fácil. Os sites de varejo para pequenas compras – que funcionam com “sacoleiros” em e-commerce – e os de apostas esportivas são novas fontes, mas de potencial limitado para as ambições do governo.

Os esforços para a tributação dos recursos offshore, bem como dos fundos exclusivos, exigiram um “esforço de vendagem” através do argumento de que eram tributações sobre “super-ricos” que, por qualquer razão, tinham sido “esquecidas” pelos seus antecessores. Em ambos os casos, todavia, há um problema formal em se tributar estoques, portanto o já acontecido, evocando a velha máxima pela qual também o passado, no Brasil, é incerto.

Panorama de investimentos

Num cenário em que o governo encontra um bom caminho para a política fiscal e se aproxima efetivamente do “grau de investimento”, faz sentido especular sobre o que se passará com os juros e com o panorama de investimentos.

Num cenário de sustentabilidade fiscal, não faria mesmo muito sentido que o Tesouro refinanciasse sua dívida pagando juros maiores que a inflação a cada dia todos os dias. Teria que haver uma conversa sobre o “desligamento”, talvez impossível no Brasil, do custo do financiamento da dívida pública e a política monetária.

Na planície, enquanto isso, os investidores brasileiros se acostumaram a ganhar da inflação, e do CDI idealmente, todos os dias e a cada dia, mesmo que mantenham suas aplicações por prazos longos e não precisem da liquidez.

Consolidamos uma “cultura do CDI diário” da qual não se consegue escapar, e que é preciso superar para que o mercado de capitais brasileiro progrida e para que o financiamento do governo seja mais barato.

É claro que será mais barato se for menos arriscado, como acima observado. O que nos leva de volta ao problema fiscal, infelizmente ainda não resolvido, e nem mesmo reconhecido em toda a sua complexidade.*

É muito possível, talvez bem provável que em meados do ano que vem, a prevalecer o ritmo de redução da SELIC indicado na última reunião, ocorrida em 2 de agosto, o Banco Central venha a enfrentar um debate sobre onde pode estar a “taxa neutra”. Ou sobre até que nível de SELIC irão as reduções.

O Relatório FOCUS registra a expectativa de 11,75% para SELIC na virada do ano de 2023, implicitamente projetando três cortes de 0,5% para as três reuniões marcadas para este ano.

Para 2024, todavia, o FOCUS projeta 9,00% para o fim do ano, mas se o COPOM permanecesse cortando 0,5% a cada reunião, o ano de 2024 terminaria com 7,75%. Implicitamente se projeta, portanto, que o COPOM enxergará que chegou na taxa neutra em meados de 2024.

Mas o debate será interessante sobre o nível em que verá aterrissar a SELIC nesse ciclo de baixa já iniciado. A trégua que o presidente da República deu ao BC pode ser removida e as hostilidades podem se renovar, bem quando o mandatário terá que fazer a sua escolha para os três dirigentes do BC cujos mandatos se encerram em dezembro de 2024, aí incluído o do presidente Roberto Campos Neto.*

A atmosfera política está amena, como é próprio da meia estação, mas talvez apenas na aparência. Parece não esmorecer o noticiário referente ao ex-presidente Jair Bolsonaro, mas a fila anda, e o Legislativo vai lidando com novas pautas de interesse do governo.

As relações entre o Executivo e o Legislativo têm sido conduzidas com enorme cuidado. O rescaldo das eleições é complexo. É claro que haveria mais velocidade nos projetos de governo caso aprovada a reforma ministerial que se destina a proporcionar mais espaço político para o chamado “Centrão”. Mais velocidade, nesse contexto, naturalmente significa menos identificação com a agenda caracteristicamente petista, pois muda relevantemente a identidade do próprio governo. Compreende-se, portanto, a indefinição do presidente Lula.

Rio Bravo Investimentos

Aqui na Rio Bravo você pode ter acesso os mais variados conteúdos e serviços disponíveis. Acesse a Órbita e fique por dentro dos nossos conteúdos! Além disso, você pode conhecer e acompanhar os nossos principais produtos, em dados e análisesinforme de rendimentos entre outros assuntos voltados para investimentos e finanças. Fale conosco!